Cidade
Filha da guerra colonial escreve livro sobre a herança de quem lutou
Catarina Gomes esperou pelos 40 anos, de vida e de Abril, para convidar os filhos de quem lutou na guerra colonial a falarem sobre este conflito e a fazerem perguntas como a que dá nome ao seu livro “Pai, tiveste medo?”.
“Passaram 40 anos, já somos todos grandes, trintões e quarentões, gostava que este livro fosse um pretexto de conversa dentro e fora da família”, disse à agência Lusa a autora.
Ao longo de quase 250 páginas, Catarina partilha no livro “Pai, tiveste medo?”, editado pela Matéria-Prima, 12 histórias de vida, “relatos de quem descobriu a guerra através da memória dos pais”.
Ao seu pai, Catarina fez apenas uma pergunta, “a clássica: Mataste alguém?”, mas ao escrever este livro deu por si a querer fazer-lhe mais: “Sabias porque ias? O que esperavas encontrar? Tiveste medo? De morrer? De matar? Como é que a guerra te mudou?”.
“Estas são perguntas que muitos filhos não fizeram, uns por falta de curiosidade, outros com medo de melindrar, por sentirem mesmo que não era assunto de que os pais quisessem falar, além das histórias mais pitorescas que foram sendo passadas”, adiantou.
Como se pode ler na obra, “a porta de entrada nesse passado foram muitas vezes os álbuns de fotografias da guerra que andam por várias casas portuguesas e que, na sua maioria, são já em si mesmo uma seleção de bons momentos; parecem postais pitorescos, com casotas de colmo, meninos de barriga arredondada, mulheres negras de peitos à mostra, quase parecem fotos de férias, Em muitos casos, não terá sido bem assim”.
Catarina volta no seu livro a uma aventura que começou com uma investigação inédita sobre o tema da guerra colonial, feita pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, coordenada pela professora Margarida Calafate Ribeiro.
“Escrevi um artigo para o Público sobre a investigação – Os filhos dos militares também têm memórias de guerra” – e senti a necessidade de, pela primeira vez, fazer acompanhar a reportagem com um testemunho na primeira pessoa, por sentir que não estava de fora e que eu era não apenas uma jornalista a escrever sobre o tema mas também «uma filha da guerra», que tinha uma relação especial com o tema e que eu também tinha algumas dessas «memórias em segunda mão» de que falava a investigação”.
“Somos filhos de pais que foram jovens durante um tempo muito particular da história de Portugal que os arrastou para um contexto extremo, numa passagem à vida adulta muito particular, muito diferente da minha geração, mesmo que muitos não tenham pegado em armas”.
O livro de Catarina Gomes sai no ano em que Abril comemora 40 anos e a autora acredita que “ainda há tanta coisa por contar”.
“Faz-me confusão, por exemplo, que a guerra surja muitas vezes balizada entre 1961 e 1974, como se milagrosamente tivesse acabado com o 25 de Abril. Morreram centenas de homens depois dessa data e durante todo o ano de 1975”, alertou.
Questionada sobre o medo da guerra, Catarina Gomes não tem dúvidas: “Claro que todos tiveram medo, a questão é se o verbalizaram em família, aos filhos, às mulheres, porque esta é ainda uma geração de homens muito moldada por uma cultura tradicional em que o homem não chora, se tem medo não o demonstra, esconde-o, sobretudo aos filhos”.
Related Images:
PUBLICIDADE