Opinião
Falar da educação sem discutir a educação
Foi dos assuntos mais abordados antes das eleições, teve o seu espaço no período da campanha e agora, que estamos prestes a ter novo Governo, volta a ocupar posição de destaque nas diversas análises: a educação. Mas é mesmo de educação que temos andado a falar?
Sempre que o tema tem sido a escola, e em particular a escola pública, há uma palavra que não se ouve e sem a qual esta discussão não pode ser feita. Essa palavra é pedagogia e traz com ela outros conceitos indispensáveis, como modelo ou aprendizagem, e só recorrendo a eles se pode pensar uma escola que deve ser um local de liberdade, criatividade e inclusão.
Não estou a dizer que outros termos que têm dominado o espaço público – como escalões, reposições ou colocações – não representam reivindicações justas dos profissionais da educação, docentes e não docentes. Mas essas são questões laborais e discuti-las é importante, mas não é discutir a educação. Eu diria mesmo que uma das razões principais por que é urgente resolvê-las, é para que possamos finalmente começar a falar sobre a escola verdadeiramente integradora, pedagogicamente arrojada, respeitadora dos direitos dos alunos e aberta ao pensamento crítico que há muito devíamos já ter começado a construir.
Porque, convenhamos, a escola que temos não serve. O modelo de ensino que prevalece largamente em Portugal (mas não só), ao ponto da quase exclusividade, é uma relíquia da Revolução Industrial, criado para moldar mão-de-obra para as fábricas e indústrias, assente na repetição mecânica de informação e na obediência às ordens hierárquicas. Uma escola do passado, que condena os alunos a uma ignorância muito mais perigosa, por não ser vista como ignorância. Uma escola que deveria garantir o direito de todos à educação, mas marginaliza como critério, pelas mais variadas razões, com o argumento de uma suposta igualdade. Uma escola onde até muitos dos alunos que são tidos como casos de sucesso não retêm o conhecimento – ou, ainda mais grave, não são motivados para se constituírem como seres pensantes e solidários.
Não se pode dizer que tudo permanece assim por não se conhecerem soluções. Projetos como a Escola da Ponte, e outros assentes numa ideia comunitária da aprendizagem, são bons pontos de partida, não para a definição de um modelo único que substitua o atual, mas para uma diversificação da oferta que possa dar melhores respostas a alunos, pais e encarregados de educação, mas também aos próprios professores.
Pessoalmente, não vejo que uma sociedade como a atual possa ter uma escola em que os jovens não são participantes ativos na construção do seu próprio conhecimento e no desenvolvimento da sua identidade, sob pena de os perdermos para a indiferença e o individualismo. Que possa ter uma escola em que não se pede aos docentes que sejam, mais do que transmissores de conteúdos, facilitadores do processo de aprendizagem, parceiros na construção de projetos de vida. Que possa ter uma escola em que os espaços de aprendizagem não são flexíveis, em que as avaliações não são medidas por formas menos falíveis do que testes padronizados, em que não se percebe que um ranking não diz tudo, aliás, diz mesmo muito pouco.
Para isso acontecer, é preciso desconstruir e criar novas relações entre os agentes da educação, a todos os níveis. Sobretudo entre os alunos e os professores. É preciso valorizar as dimensões afetiva, emocional e ética ao mesmo nível da dimensão cognitiva, porque é nelas, afinal, que se expressa o verdadeiro propósito da educação.
É difícil e obriga a discussões duras? Certamente. É trabalhoso? Imensamente. Talvez seja por isso que se prefere falar de outras coisas que, apesar de só parecerem fáceis em tempo de promessas eleitorais, são mesmo menos exigentes.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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