Justiça

Ex-fotojornalista da France-Presse em tribunal para recuperar direitos de autor

Notícias de Coimbra com Lusa | 3 anos atrás em 19-08-2021

O ex-fotojornalista da Agence France-Presse (AFP) Francisco Leong está a travar uma batalha judicial contra a agência de notícias francesa, pedindo a nulidade de uma cláusula do seu antigo contrato que considera violar o código dos direitos de autor.

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Francisco Leong começou a trabalhar como fotojornalista ‘freelancer’ para a AFP, a partir de Lisboa, em 2005 e entrou para os quadros da empresa em 2010, de onde saiu em 2019.

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Desde então, Leong tem tentado recuperar os direitos autorais das fotografias que tirou ao serviço da AFP.

“No meu antigo contrato de trabalho havia uma cláusula que dizia que a France-Presse era detentora dos direitos patrimoniais das minhas fotos. Como isso viola o código dos jornalistas e o código dos direitos de autor e direitos conexos e outros instrumentos legais, como o próprio contrato coletivo de trabalho, eu estou em tribunal a pedir a nulidade dessa mesma cláusula”, explicou à Lusa o fotojornalista de 55 anos.

O processo teve início no fim de 2019, pouco depois de Francisco Leong ter deixado a AFP e de ter pedido que não usasse as suas fotografias, o que, segundo o fotojornalista, só aconteceu no ano passado, quando o processo já corria em tribunal.

Na contestação apresentada ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a que a Lusa teve acesso, a AFP alega que “as únicas fotografias que a R. [AFP] recebeu do A. [Leong], constituem uma captação fiel dos acontecimentos e notícias que constituíam, no momento da sua captação, as notícias do dia”.

“Ora, essas fotografias, enquanto veículo de informação dos acontecimentos ou notícias, não constituem uma ‘obra’, estando excluídas de proteção nos termos do disposto no artigo 7.º do CDADC que estipula que ‘Não constituem objeto de proteção a) as notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com caráter de simples informações de qualquer modo divulgados”, acrescenta a agência francesa.

Adicionalmente, a AFP alega que o fotojornalista assinou a cláusula de livre vontade e que “foi apenas por ocasião da cessação do seu contrato de trabalho que se recordou de reclamar direitos, que não lhe assistem, sobre fotografias, que não são sequer objeto de proteção como direitos de autor”.

“O que tem ‘piada’ é que a France-Presse continua a alegar que elas [as fotografias] não têm ‘copyright’ [direitos de autor], mas continua a vender e a lucrar com elas”, apontou o fotojornalista. “Eles estão a vendê-las, a cobrar por elas, a enriquecer ilicitamente com elas, a enganar os seus clientes. Eles vendem-nas aos seus clientes no pressuposto de que elas são detentoras de ‘copyright’, quando lhes é conveniente já não são”, acrescentou.

Segundo o membro da direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) João Rodrigues, a contestação da AFP é “um tiro de caçadeira de canos cerrados nos pés”.

“Se [as fotografias] são de domínio publico, porque é que a France-Presse as vende? Deviam estar acessíveis. E, ponto número dois, a France-Presse também distingue os fotógrafos franceses de todos os outros”, apontou o também fotojornalista, referindo-se à diferenciação que a AFP faz entre jornalistas com contrato francês, a quem, de acordo com Francisco Leong, paga direitos de autor, e os restantes, como o caso do português, que diz nunca ter recebido qualquer remuneração adicional relativa a direitos autorais.

João Rodrigues adiantou que uma das áreas em que o SJ pretende intervir prende-se com a questão dos direitos de autor das fotografias, que, em Portugal, não tem legislação específica e “está completamente abandonada”.

Existe, porém, alguma bibliografia sobre o tema: no livro “Direito De Autor – 3.ª Edição”, de Luís Menezes Leitão, o bastonário da Ordem dos Advogados escreve que “para que ocorra a proteção, a fotografia deva corresponder a uma criação artística pessoal do seu autor, quer pela escolha do seu objeto, quer pelas condições da sua execução”.

Assim, não são objeto de proteção as fotografias realizadas mecanicamente, como por exemplo, as tiradas para documentos de identificação, mas “já serão, porém, protegidas as fotografias que, embora com objetivos instrumentais, correspondam a uma verdadeira criação artística do fotógrafo, como as realizadas no âmbito da atividade jornalística”.

Adicionalmente, Luís Menezes Leitão refere ainda, no seu livro, que, apesar de os direitos de autor de jornais e revistas pertencerem à respetiva empresa jornalística, “há, no entanto, uma proteção especial em relação às contribuições pessoais dos colaboradores” e que a lei distingue colaboradores independentes (‘freelancer’) e colaboradores vinculados por contrato de trabalho.

“Em relação aos colaboradores independentes, pertence-lhes o direito de autor sobre as obras que publiquem no jornal ou publicação periódica, só sendo eles que podem autorizar a reprodução em separado ou em publicação congénere, salvo convenção escrita em contrário”, lê-se no livro do também professor catedrático da Universidade de Lisboa.

O SJ associou-se às comemorações dos 200 anos da promulgação da primeira Lei sobre a Liberdade de Imprensa, em 12 de julho de 1821, e contribuirá para a sua revisão, adiantou João Rodrigues.

“Um dos pontos que já foi falado com o Ministério [da Cultura] – está tudo ainda no ramo do papel e lápis, não há nada concreto – era a Lei de Imprensa passar a congregar os direitos de autor, independentemente dos direitos de autor e conexos estarem plasmados na legislação, mas também a Lei de Imprensa ser perentória quanto a eles”, disse o dirigente sindical.

João Rodrigues disse ter conhecimento de vários casos de violação de direitos de autor de fotojornalistas, no entanto, são poucas as situações em que os profissionais avançam com queixas.

Francisco Leong insiste que o objetivo do processo não é pedir dinheiro, mas simplesmente a nulidade da referida cláusula, bem como uma cópia das suas fotografias, que tinha num disco externo, mas perdeu.

“Em último caso, isto chegará aos tribunais europeus. Mesmo que haja dúvidas em Portugal, lá fora não as tem havido”, garantiu o fotojornalista.

No dia 24 de junho deveria ter acontecido uma sessão do julgamento, mas, segundo Leong, o representante da AFP não apareceu por motivo de doença, tendo sido adiada para 06 de outubro.

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