Opinião

Estou com pressa!

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 6 meses atrás em 22-05-2024

Estou sempre com pressa. Pressa de ver, pressa de ouvir, pressa de perceber,  pressa de falar, pressa de sentir, pressa de fazer, pressa de acontecer… pressa,  muita pressa. 

Não há dia em que não sinta a sacana da pressa, que, muitas vezes, me ataca logo  ao acordar. Ainda mal limpei a remela do olho e espreguicei os braços em direção  ao teto e já estou a levar com a pressa, a mesma que, subitamente, me obriga a  chutar os lençóis, correr para a banheira e começar o dia, rapidamente, não vão as  24 horas acabar sem que eu tenha cumprido os propósitos – quaisquer que eles sejam – que pariram a própria pressa. 

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Mas a pressa não se fica por aí; antes continua a empurrar-me os pés, alertando me permanentemente para os incontáveis estímulos quotidianos que se vão  acumulando e aumentando o meu nível de pressa. Ocasionalmente, a pressa é  tanta que até desvia a atenção das únicas tarefas que – essas sim – justificariam pressa. 

E não só das tarefas… quando a pressa é muita, também os objetos ficam esquecidos. Na ânsia de sair rapidamente de casa e iniciar a extensa lista de tarefas  que validam a pressa matinal, carteira, chaves, carregador de telemóvel, relógio e  outros valiosos utensílios vão ficando abandonados, ignorados, longe de mim, a  pessoa a quem estão destinados a servir. 

O telemóvel, por outro lado, nunca fica esquecido em casa — a pressa é acelerada,  mas não é tonta. De que valeria tanta pressa sem os mundanos alertas,  notificações, chamadas e mensagens, que vão auxiliando a dinâmica urgente da  própria pressa? Quem mais a alimentaria de forma tão eficaz!? 

O smartphone, aliás, repousa sempre junto à cama, a aconchegar o meu sono, não  vá distrair-me e o meu cérebro não acorde ao som do irritante despertador, o mais  fiel amigo da pressa. E mesmo a meio da noite, entre pontuais urinações 

madrugadoras, a pressa notívaga está sempre à espreita, recordando-me de que  preciso de voltar rapidamente à cama, sem acordar excessivamente a mente, de  forma a desfrutar do sono restante, antes que as sirenes matinais deem sinal de  vida.  

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Porém, querendo ou não, o despertador faz-se ouvir – qual canto do galo – e mal a  minha consciência abre a porta, a pressa aproveita a brecha para, incomodamente, refastelar-se na minha psique. 

A partir daí, a pressa escapa ao meu controlo. Instala-se na minha mente e começa  a alimentar a sensação frustrada de que, com tanta pressa, vou de certeza  esquecer-me de alguma coisa importante. 

Resta-me aguentar o sufoco e, como bom ateu oportunista, rezar para que a pressa  se apresse e o sono seguinte depressa me venha libertar desta ansiedade  insaciável e apressada. 

Ok, admito que possa estar a ser injusto com a pressa… 

Se calhar, estou só a precisar de algumas férias, de algum descanso e distância…  de meia dúzia de dias sem pensar em nada que me apresse.  

Manhãs sem pressas, em que tenha a calma que me permita abrir os olhos, limpar  remelas, espreguiçar-me e, com tempo, até aconchegar a genitália (num duplo  propósito que a aconchegue e que confirme que, não tendo sido atacada por  nenhum sentido de urgência, se encontra intacta e relaxada), sem pressa.  

Tardes em que só beba, coma, leia, fume e durma, sem pressa.  

E noites em que a única pressa experimentada seja aquela que é imposta pelos  caprichos da bexiga ou do estômago. Ou seja, sem pressa. 

Quem se encontre, agora, a ler esta inócua reflexão sobre a sacana da pressa,  também estará, com grande probabilidade, cheio (ou cheia) de pressa para fazer  alguma coisa urgente. Perdão, não quero atrapalhar o seu dia e nem tão pouco  acumular mais pressa à pesada pressa que já carregará aos ombros.  

Por isso, vou andando… até porque também estou com pressa!

OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA

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