Opinião
Estou com pressa!
Estou sempre com pressa. Pressa de ver, pressa de ouvir, pressa de perceber, pressa de falar, pressa de sentir, pressa de fazer, pressa de acontecer… pressa, muita pressa.
Não há dia em que não sinta a sacana da pressa, que, muitas vezes, me ataca logo ao acordar. Ainda mal limpei a remela do olho e espreguicei os braços em direção ao teto e já estou a levar com a pressa, a mesma que, subitamente, me obriga a chutar os lençóis, correr para a banheira e começar o dia, rapidamente, não vão as 24 horas acabar sem que eu tenha cumprido os propósitos – quaisquer que eles sejam – que pariram a própria pressa.
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Mas a pressa não se fica por aí; antes continua a empurrar-me os pés, alertando me permanentemente para os incontáveis estímulos quotidianos que se vão acumulando e aumentando o meu nível de pressa. Ocasionalmente, a pressa é tanta que até desvia a atenção das únicas tarefas que – essas sim – justificariam pressa.
E não só das tarefas… quando a pressa é muita, também os objetos ficam esquecidos. Na ânsia de sair rapidamente de casa e iniciar a extensa lista de tarefas que validam a pressa matinal, carteira, chaves, carregador de telemóvel, relógio e outros valiosos utensílios vão ficando abandonados, ignorados, longe de mim, a pessoa a quem estão destinados a servir.
O telemóvel, por outro lado, nunca fica esquecido em casa — a pressa é acelerada, mas não é tonta. De que valeria tanta pressa sem os mundanos alertas, notificações, chamadas e mensagens, que vão auxiliando a dinâmica urgente da própria pressa? Quem mais a alimentaria de forma tão eficaz!?
O smartphone, aliás, repousa sempre junto à cama, a aconchegar o meu sono, não vá distrair-me e o meu cérebro não acorde ao som do irritante despertador, o mais fiel amigo da pressa. E mesmo a meio da noite, entre pontuais urinações
madrugadoras, a pressa notívaga está sempre à espreita, recordando-me de que preciso de voltar rapidamente à cama, sem acordar excessivamente a mente, de forma a desfrutar do sono restante, antes que as sirenes matinais deem sinal de vida.
Porém, querendo ou não, o despertador faz-se ouvir – qual canto do galo – e mal a minha consciência abre a porta, a pressa aproveita a brecha para, incomodamente, refastelar-se na minha psique.
A partir daí, a pressa escapa ao meu controlo. Instala-se na minha mente e começa a alimentar a sensação frustrada de que, com tanta pressa, vou de certeza esquecer-me de alguma coisa importante.
Resta-me aguentar o sufoco e, como bom ateu oportunista, rezar para que a pressa se apresse e o sono seguinte depressa me venha libertar desta ansiedade insaciável e apressada.
Ok, admito que possa estar a ser injusto com a pressa…
Se calhar, estou só a precisar de algumas férias, de algum descanso e distância… de meia dúzia de dias sem pensar em nada que me apresse.
Manhãs sem pressas, em que tenha a calma que me permita abrir os olhos, limpar remelas, espreguiçar-me e, com tempo, até aconchegar a genitália (num duplo propósito que a aconchegue e que confirme que, não tendo sido atacada por nenhum sentido de urgência, se encontra intacta e relaxada), sem pressa.
Tardes em que só beba, coma, leia, fume e durma, sem pressa.
E noites em que a única pressa experimentada seja aquela que é imposta pelos caprichos da bexiga ou do estômago. Ou seja, sem pressa.
Quem se encontre, agora, a ler esta inócua reflexão sobre a sacana da pressa, também estará, com grande probabilidade, cheio (ou cheia) de pressa para fazer alguma coisa urgente. Perdão, não quero atrapalhar o seu dia e nem tão pouco acumular mais pressa à pesada pressa que já carregará aos ombros.
Por isso, vou andando… até porque também estou com pressa!
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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