Saúde
Estereótipos sobre maternidade das mulheres negras contribuem para violência obstétrica
Uma das autoras de um relatório sobre violência obstétrica considera que os estereótipos sobre a maternidade nas mulheres negras contribuem para comportamentos dos profissionais de saúde que as prejudicam durante a gravidez e o parto.
O relatório do estudo sobre “Experiências de gravidez, parto e pós-parto de mulheres negras e afrodescendentes em Portugal”, elaborado pela Associação Saúde das Mães negras e Racializadas em Portugal (Samanepor), refere que mais de um quinto destas mulheres inquiridas afirmaram ter sofrido violência obstétrica na gravidez e quase um quarto no parto, situações que associam à raça, idade e condição social.
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A psicóloga Carolina Coimbra, presidente da Samanepor e promotora da realização deste inquérito, disse à agência Lusa que as conclusões não a surpreendem.
“Como mulher negra sei que existe racismo em várias áreas da sociedade portuguesa e a saúde, infelizmente, não iria sair disso. É apenas a comprovação do que já desconfiávamos”, afirmou.
Carolina Coimbra, que exerce ainda funções de doula (assistente de parto), acredita que certos comportamentos resultam de ideias preconcebidas, mesmo que não façam sentido.
“As mulheres negras sempre ouviram, desde muito novas, que são fortes e a sociedade também acredita que as mulheres negras são fortes, porque aguentam muitos desafios na sua vida, porque a nível social e económico são mais desfavorecidas, estão sempre a trabalhar, têm sempre aquela ideia da mulher guerreira, com os seus filhos às costas”, disse.
E adiantou que “essa ideia permanece e é mais fácil para desumanizar as mulheres”, apresentando-as como “supermulheres” que “aguentam, são mais resistentes à dor, às coisas da vida”.
Sobre a atitude dos profissionais de saúde, Carolina Coimbra acredita que “não é consciente”, pelo menos não no sentido de prejudicar deliberadamente a mulher negra em relação às outras parturientes.
“Numa ala com muitas mulheres em dor a pedirem epidural, por exemplo, eles [profissionais de saúde] vão primeiro às outras mulheres, porque acham que aquela senhora [negra] vai aguentar e vão às outras primeiro”, acrescentou.
“Não é uma coisa propositada e sabemos isso. É uma coisa intrínseca nos profissionais e em algumas mulheres também”, observou.
Um dos depoimentos recolhidos para este inquérito é de Kieza, para quem “os profissionais de saúde têm ideias preconcebidas daquilo que são as outras mulheres. Ou seja, aguentam mais a dor”.
Iva, por seu lado, acredita que “o facto de as mulheres negras serem rotuladas por terem muitos filhos, que não fazem mais nada a não ser ter filhos, também”.
Apesar do cenário encontrado, Carolina Coimbra atenta que as mulheres hoje, de uma forma geral, “começam a exigir mais os seus direitos e a reconhecer que este é um momento em que deviam ter uma experiencia positiva e não um momento traumático nas suas vidas”.
E com as conclusões do estudo na mão – a única informação disponível sobre a realidade da mulher negra em Portugal, como sublinhou – espera agora que se avance para “desmistificar os preconceitos que existem sobre as mulheres negras”.
“Já temos aqui um ponto de partida para uma caracterização sobre as mulheres que têm filhos em Portugal. É tentar melhorar a partir deste relatório”, adiantou.
O estudo contou com respostas de 158 mulheres e, do total das inquiridas, 21,4% afirmaram ter sofrido, durante a gestação, “violência obstétrica relacionada com questões de raça/etnia, idade, condição social ou outros fatores”.
Durante o parto, 23,4% destas mulheres sentiram-se negligenciadas, enquanto 19,7% disseram que não se sentiram respeitadas e 17% afirmaram ter sido humilhadas.
No relatório refere-se que 24% das inquiridas afirma que sofreu violência obstétrica durante o parto, relacionada com questões de raça/etnia, idade, condição social ou outros fatores.
Das inquiridas, 60,8% tem o ensino superior completo, 83,5% é trabalhadora por conta de outrem, com uma renda média familiar acima de mil euros.
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