Crimes
Este negócio de barriga de aluguer dá uma novela
O Tribunal de Leiria adiou hoje ‘sine die’ o julgamento de uma mulher e de um casal acusados de tráfico de pessoas e falsificação de documento, num caso em que aquela se deslocou a Portugal para ter um bebé.
“(…) Entendemos não se verificar as condições necessárias para a realização da audiência de julgamento, pelo que adiamos a mesma ‘sine die’”, afirmou o presidente do coletivo de juízes.
Antes, o magistrado judicial informou que o Ministério Público (MP) requereu a separação de processos quanto à arguida, que prestou termo de identidade e residência (TIR) sem qualquer validade.
O advogado Adelino Granja, defensor de um dos arguidos, considerou que é de “manifesta relevância a participação da arguida”, uma “das partes principais deste processo”, notando ainda que esta não foi notificada da acusação, nem da data de julgamento.
Adelino Granja considerou mesmo a presença em julgamento da mulher como imprescindível, tendo a sua posição sido subscrita pela advogada do outro arguido.
Já a causídica que defende a mulher referiu que esta não foi notificada, pese embora ter prestado TIR.
O tribunal coletivo entendeu “não se verificar os fundamentos necessários para que haja uma separação de processos relativamente à arguida”, determinando que se oficie à Embaixada do Brasil em Portugal a morada daquela.
Segundo o despacho de acusação, um dos arguidos, “planeando ser pai de um bebé do sexo masculino, manteve conversações com várias mulheres grávidas” brasileiras em grupos no Facebook, Telegram e WhatsApp.
O MP relatou que nas conversas o arguido “explicava o que era necessário para tais mulheres virem para Portugal”, onde o parto seria realizado, para que “passasse a constar como pai de um menino e pudesse viver com um bebé como se de pai e filho se tratassem”.
De acordo com o MP, o arguido contava com a ajuda de uma amiga residente no Brasil, que “auxiliava tais mulheres de acordo com as indicações” daquele, sobretudo a nível financeiro.
Num desses grupos, com o nome “barrigas de aluguer”, o arguido, no primeiro trimestre de 2022, conheceu uma mulher grávida com quem passou a manter conversas pelo WhatsApp.
Ambos “planearam a viagem desta para Portugal”, para que o bebé aqui nascesse e onde passaria a viver com o arguido e o companheiro deste.
Para tal, o arguido, “muitas vezes através de transferências bancárias da conta da amiga”, pagou todas as despesas da grávida, incluindo “o passaporte e as viagens para outras cidades, para conseguir rapidamente o passaporte e a entrevista, necessários para a vinda a Portugal”.
Em junho de 2022, a mulher, grávida de cerca de 35 semanas, viajou para Portugal, onde ficou hospedada na casa do casal.
Com a chegada da mulher, o arguido fez “o pedido do certificado de direito à assistência médica”, no âmbito de um acordo entre os dois países, “para que cidadãos brasileiros possam ser atendidos no Serviço Nacional de Saúde”.
O bebé nasceu em julho, no hospital de Leiria, e o arguido registou a criança no registo civil como seu filho, “passando a constar do assento de nascimento o nome do pai” e “o nome dos avós paternos”.
No mesmo mês, o recém-nascido foi acolhido numa casa de acolhimento temporário, no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção de menores.
O despacho do MP adiantou que o arguido fez visitas semanais ao bebé na casa de acolhimento com supervisão técnica, mas a mãe não o fez, nem contactou a instituição. Regressou sozinha ao seu país no mês seguinte com bilhete de avião comprado pelo arguido.
“Todos os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, partilhando o acordo criminoso de vontades para a entrega do recém-nascido” ao casal, com o objetivo de “ficar à guarda e cuidados” deste em Portugal, defendeu o MP.
Em troca, foram pagas à arguida “todas as suas despesas médicas e hospitalares com a gravidez e com o parto, bem como a viagem de ida e volta do Brasil para Lisboa e respetiva documentação da mesma e a estadia e alimentação em Portugal durante cerca de dois meses”.
Além de tais despesas, o casal, que não estava inscrito como candidato a adoção, pagou ainda à mulher “uma compensação monetária” que o MP não quantifica.
Os arguidos estão acusados dos crimes de tráfico de pessoas e de falsificação ou contrafação de documento.
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