Justiça

Estado obrigado a pagar 30 000 euros a vítima dos incêndios

Notícias de Coimbra | 3 dias atrás em 30-12-2024

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF) condenou o Estado a indemnizar, em 30 mil euros, a mulher de um operador florestal que ficou gravemente ferido nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.

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“(…) Julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, condeno o demandado [Estado] a pagar à autora indemnização no valor de 30 mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a citação e até efetivo e integral pagamento”, lê-se na sentença, de 26 de novembro e à qual a Lusa teve hoje acesso.

Esta ação administrativa contra o Estado entrou no TAF em 2020, assim como outra idêntica, da mulher de Rui Rosinha, bombeiro que também ficou gravemente ferido naqueles fogos. Esta ação tem julgamento marcado para março de 2025.

Nas ações é pedido que seja reconhecida às duas mulheres a qualidade de vítima ao abrigo do diploma que estabelece medidas de apoio às vítimas dos incêndios florestais ocorridos em Portugal continental em junho e outubro de 2017 (Lei n.º 108/2017), disse o advogado Gonçalo Ribeiro à Lusa em junho de 2022.

Segundo Gonçalo Ribeiro, nestes casos o entendimento da Provedoria de Justiça foi de que as duas mulheres não poderiam ser consideradas vítimas, pelo que intentaram as ações para serem indemnizadas pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Nos factos considerados provados na sentença, lê-se que no dia 17 de junho de 2017 o operador florestal estava a trabalhar com mais duas pessoas num pinhal em Maranhoa, Troviscais, concelho de Pedrógão Grande.

Devido à aproximação do fogo, todos decidiram fugir numa viatura em direção a Mosteiro (o objetivo era alcançar o Itinerário Complementar 8), sendo que no trajeto um dos pneus rebentou devido ao intenso calor do incêndio.

Com o despiste da viatura, que ficou imobilizada, os ocupantes abandonaram-na e “colocaram-se imediatamente em fuga, a pé, sempre fustigados pelo fumo, calor e pelas chamas, tendo sido expostos a temperaturas muito elevadas”.

Face a esta situação, o operador florestal sofreu múltiplas queimaduras (cerca de 60% da sua superfície corporal) até ter sido resgatado pelas equipas de socorro.

A sentença elenca as intervenções cirúrgicas a que o ferido grave foi sujeito, assim como as lesões e sequelas, como por exemplo o facto de lhe terem sido amputados os dedos de ambas as mãos, e as múltiplas tarefas que está impossibilitado de fazer, assinalando que tem uma incapacidade permanente global de 81%.

O documento apresenta depois o impacto que esta situação teve na vida sexual, pessoal, familiar e profissional da mulher, que “sempre acompanhou (e acompanha) o seu marido” e de quem este depende “para todas as atividades básicas do quotidiano”.

Considerando que o Estado falhou “nas atribuições que lhe cabem” ao nível da proteção da vida e da integridade física dos cidadãos, a juíza assinala que essa conduta provocou “uma grave ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros”, no caso, as vítimas dos incêndios e seus familiares.

O tribunal ressalva que “tal conclusão não obsta a eventual responsabilização (civil ou criminal) de determinados órgãos, funcionários ou agentes cuja conduta omissiva possa ter contribuído para os eventos” de junho de 2017, mas “tal não afasta a responsabilidade que, em primeira linha, cabe ao Estado em matéria de proteção civil”.

A juíza nota que o Estado já assumiu a sua responsabilidade perante as vítimas dos incêndios ocorridos naquele ano ao reconhecer que se integra no conceito de vítima “as pessoas singulares direta ou indiretamente afetadas na sua saúde, física ou mental, nos seus rendimentos ou no seu património”.

“Portanto, este conceito é abstratamente suscetível de abranger terceiros que, como a autora, viram a sua esfera jurídica indiretamente afetada pelos acontecimentos”, acrescenta a sentença.

Para o TAF, “os danos descritos, pela sua gravidade, atentas as repercussões ao nível da vida pessoal e familiar da autora e do seu bem-estar físico e emocional, merecem efetiva tutela do direito, admitindo-se que as circunstâncias descritas são suficientemente perturbadoras (…)”.

O Tribunal conclui que a mulher “padeceu (e padece) de um sofrimento acrescido, que ultrapassa o quadro médio das perturbações inerentes à vida em sociedade, face ao estado de saúde do seu marido após os incêndios em causa, bem como por todas as repercussões que esse estado teve e tem na [sua] vida familiar e pessoal”, justificando a atribuição da indemnização pelos danos não patrimoniais.

Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram a concelhos vizinhos, nomeadamente Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.

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