Opinião

Esta semana em promoção: o Amor

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 2 semanas atrás em 31-08-2024

Em tempo de silly season, foi um dos temas mais comentados dos últimos dias: a nova tendência que promete animar a rotina dos solteiros, libertando-os do enfado de preencher perfis intermináveis no Tinder ou arranjar a foto de perfil perfeita no Bumble, é encontrar o amor na secção de frutas do Mercadona. Não é que se trate de território virgem para o consumismo, mas ver o romance anunciado como a promoção da semana não deixa de ter o seu quê de intrigante.

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À superfície, a coisa até tem uns laivos daquelas comédias românticas que Hollywood nos serve para nos manter entretidos e sem questionar grande coisa (o que não tem necessariamente nada de mal), prometendo o início de uma história de amor num ananás virado ao contrário ou numa passagem pelo corredor dos vinhos – pensando bem, a influência do álcool nos relacionamentos daria bom tema para outra crónica, mas deixemos essa abordagem por agora…

Não sei exatamente o que pensar de quem ache excitante encontrar a sua cara-metade, ou simplesmente algo mais fugaz, entre uma embalagem de queijo flamengo e um pacote de fraldas para adulto, mas também não sou pessoa de julgar facilmente os outros.

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Do que tenho a certeza é de que esta tendência prova irrefutavelmente que vivemos num tempo em que até o romance foi absorvido pelo capitalismo.

Aliás, se há coisa que o capitalismo faz bem é transformar tudo em mercadoria – porque haveria o amor de ser exceção? Desde há muito que as impressões digitais do mercado estão espalhadas por jantares de São Valentim em restaurantes a abarrotar, ou que este mostra os seus poderes mágicos ao conferir a eternidade a pedaços de carbono. Mas ver tudo assim reduzido a uma transação comercial, com códigos e sinais escondidos entre as prateleiras, tem noutros contextos interpretações diversas e encaradas de forma menos aberta pela sociedade… Estaremos, enquanto membros dessa sociedade, assim tão desesperados para encontrar uma ligação num mundo cada vez mais desumanizado? Ou a lógica capitalista é de tal forma dominante que já não conseguimos separar os nossos sentimentos das nossas compras?

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Por mim, prefiro pensar que o ato de encontrar alguém, tantas vezes elevado a arte sublime por poetas ou cantores, faz definitivamente mais sentido quando enquadrado pelas suas palavras do que por expressões como «Leve 2, Pague 1». Afinal, não consta que os amantes sem dinheiro de Eugénio de Andrade tenham alguma vez entrado num Mercadona.

OPINIÃO I PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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