Coimbra
Especialistas dizem que homens reprimem mais as emoções enquanto vítimas dos incêndios
A sociedade tende a reprimir as emoções espontâneas, e são os homens que menos as exprimem após incêndios e outras catástrofes, consideraram hoje especialistas reunidos em Coimbra.
A psiquiatra Ana Araújo, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), disse que geralmente “os homens não são tocados pelas questões psicoemocionais” nos primeiros meses após a tragédia.
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Ana Araújo intervinha numa mesa-redonda sobre os incêndios em Portugal, dando testemunho sobre o trabalho da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Leiria Norte, que acompanha há mais de um ano vítimas e familiares do fogo que deflagrou em Pedrógão Grande, em 17 de junho 2017, em que morreram 64 pessoas.
“Não esquecemos de forma nenhuma estes momentos do impacto da catástrofe”, afirmou, no final do nono Encontro Nacional da Associação Nacional de Internos de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (ANIPIA), subordinado ao tema “Pedopsiquiatria de catástrofe”, que decorreu durante dois dias no auditório do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC).
Também a psicóloga do CHUC Graça Areias, que participou na mesma mesa redonda, disse à agência Lusa que, de um modo geral, as vítimas do sexo masculino têm um comportamento diferente do das mulheres na sequência das catástrofes.
Graça Areias tem vindo a acompanhar feridos, sobretudo queimados, e seus familiares, na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande, que alastrou a diversos concelhos vizinhos, e do que deflagrou mais tarde, em 15 de outubro de 2017, na zona da Lousã, e que se propagou a outros municípios da região Centro, causando a morte de 50 pessoas.
A psicóloga deu o exemplo de um homem tratado no CHUC durante vários meses, devido a queimaduras que sofreu em 17 de junho, que “estava ansiosíssimo para ir para casa, para poder chorar” sem os constrangimentos do internamento hospitalar.
Nestas situações, a maioria dos homens “não expressa as emoções”, mas, por razões culturais, esta é uma tendência da generalidade das pessoas.
“A sociedade reprime as emoções espontâneas”, sublinhou a psicóloga, numa sessão moderada por Rita Gonçalves, da direção da ANIPIA, em que também interveio o pedopsiquiatra José Garrido, do CHUC.
Um segundo homem que sofreu ferimentos graves, no incêndio de junho do ano passado, “chorava a sério ao falar das cabrinhas que perdeu e que eram a sua companhia”, contou à Lusa Graça Areias.
O secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, que encerrou os trabalhos, defendeu que as crianças “devem ser alvo de especial atenção para que compreendam estes fenómenos e não sejam afetadas” pelas suas consequências.
José Artur Neves lembrou, por outro lado, que o Governo, em resposta ao incêndio de Monchique, em agosto, criou o Núcleo de Coordenação do Apoio Psicológico e Social de Emergência, na dependência da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
Em 2017, considerado “um ano de exceção”, no âmbito da resposta psicossocial a ANPC realizou 888 intervenções, das quais 682 de apoio a bombeiros, 154 a elementos de comando dos corpos de bombeiros e 52 a civis.
“Em 2018, o valor atual é de 240 intervenções”, sendo 147 a bombeiros, 74 a elementos de comando e 19 a civis, adiantou o secretário de Estado da Proteção Civil.
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