Coimbra
Escritor português que escreveu em espanhol motiva colóquio internacional em Coimbra
A vida e a obra do escritor português Francisco Botelho de Morais, que escreveu sobretudo em espanhol, no século XVIII, vão ser discutidas por especialistas de vários países num colóquio em Coimbra, nos dias 27 e 28.
“Francisco Botelho acaba por situar-se numa espécie de terra de ninguém, sem ocupar o lugar cativo, nas histórias literárias portuguesa e espanhola, que a qualidade da sua obra justifica, mas sendo ainda assim muito mais reconhecido em Espanha do que em Portugal”, disse hoje à agência Lusa o coordenador científico do encontro, António Apolinário Lourenço.
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Nascido em Torre de Moncorvo, em 1670, “no seio de uma família aristocrática, mas, não sendo o primogénito”, foi acolhido em Madrid por um familiar, Luís Botelho de Magalhães.
Criado e educado em Madrid, “foi em língua castelhana que redigiu a maior parte da sua obra”, salientou Apolinário Lourenço.
“Naquele país, conviveu e ombreou com notáveis intelectuais do seu tempo, conheceu a fama em vida, foi alçado à condição de académico honorário da Real Academia Espanhola, tendo legado à posteridade uma profícua e inovadora obra literária e historiográfica, com destaque para duas epopeias”, referiu.
Trata-se de “El Alfonso”, dedicada a D. Afonso Henriques, pela qual foi agraciado com o “hábito de Cristo” por D. João IV, protagonista da restauração da independência, em 1640, e “El Nuevo Mundo”, consagrada à descoberta do continente americano.
Francisco Botelho legou ainda uma narrativa de ficção intitulada “Historia de las Cuevas de Salamanca”, versão ilustrada de uma antiga lenda salmantina segundo a qual “o demónio todos os anos atraía estudantes e ministrava aulas numa escola alternativa”, numa gruta que ainda existe naquela cidade universitária.
“Além do castelhano, o autor utilizou as línguas portuguesa e latina, tendo reunido as suas sátiras em latim num volume publicado em Salamanca, em 1740”, segundo Apolinário Lourenço.
Botelho “não manejava o idioma pátrio com a mesma destreza” com que usava o castelhano, porém, “nunca sentiu qualquer dúvida sobre a sua nacionalidade”, tendo-se refugiado em Portugal em duas ocasiões.
Num opúsculo publicado postumamente, “chegou a comparar-se ao seu avô Paulo Botelho”.
Este seu familiar, “quando comandava um regimento a caminho da Catalunha ao serviço do rei Filipe IV (III de Portugal), recebeu a notícia da restauração da independência de Portugal e imediatamente inverteu o caminho” para colocar as suas tropas ao lado de D. João IV, fundador da dinastia de Bragança.
Numa das suas passagens pela terra natal, “perturbado pela rusticidade e ignorância dos fidalgos de Torre de Moncorvo, decidiu criar a Academia dos Unidos, dedicada à educação literária e cavalheiresca da nobreza torre-moncorvina”, salientou o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC).
O transmontano “nunca conseguiu adaptar-se completamente à sua terra e, sentindo-se também maltratado pelo sistema judicial português, explica nesse mesmo opúsculo que, passados os rumores de guerra, voltava a Salamanca porque os ares de Portugal prejudicavam a sua saúde”, tendo morrido no país vizinho, em 1747.
Em Salamanca, existe uma praça com o nome de Francisco Botelho, que exerceu em Roma a função de secretário do embaixador português junto da cúria romana.
Em contrapartida, “apesar de ter sido o mais ilustre escritor da sua terra, está completamente ausente da toponímia” de Torre de Moncorvo, adiantou Apolinário Lourenço, que partilha a coordenação deste primeiro encontro científico sobre o escritor com Ignacio Arellano, da Universidade de Navarra, sendo coadjuvados por Carlos d’Abreu e Mariela Insúa.
No colóquio, que decorrerá na FLUC e é aberto ao público, participam investigadores de Portugal, Espanha, França, Estados Unidos e Senegal.
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