Opinião
Escada de ganchos
Foi um fogo, dos valentes. E antes, já tínhamos tido outro, também numa fábrica.
As coisas são que são e atrás das agulhetas, vieram os tanques de grande capacidade.
As bocas de incêndio gaguejaram e até houve um especialista em fogos industriais que me apareceu, televisões adentro, a explicar o desastre, no exato dia em que os capacetes e casacos estavam em Lisboa.
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Não sei como é que equipamento de combate a fogos de Coimbra, pago com dinheiro público, estatal e municipal, aparece em Lisboa. O especialista o dirá, fico-me nas bocas de incêndio em que o valor mínimo de caudal mais desfavorável a considerar é de 3 litros por segundo, e isto com metade delas em funcionamento.
Mas, pronto, estamos habituados a sacudir a água dos hidrantes e eu lembrei-me do Alcino, um rigoroso bombeiro sapador, quando o quartel ainda era na Praça da República.
O Alcino, além de bombeiro era artesão. Talvez, à época, o único que na Região Centro sabia cuidar das escadas de croché, que são conhecidas por ganchos que se enfiam no parapeito, que deve ter entre 30 e 40 centímetros.
O Alcino reparava a fita de tecido, degraus, banzos e madeira e ali tínhamos uma ferramenta pronta a escalar e a garantir acessos. E era um bombeiro que sabia o que fazia e do que falava.
Vejam aquele miúdo que no centenário de Mário Soares, de quem minha mãe que pariu filho apartidário chegou a ser mandatária, foi na desfeita. A vulgar desfeita, ou meia de bacalhau. Uma punheta, como diz o bom povo. E lá veio o desodorizante na descolonização “apressada”, esse “injusto” rótulo de retornados e a vida a reconstruir do zero.
Um país que se portou de forma exemplar e soube erguer prédios e acolher quase um milhão de pessoas. Mas enfim, estamos num país em que até a Força Aérea apagou o vídeo de um ministro em fúria.
Melhor sem provas, que o país não gosta da tropa, nem entende a sua necessidade.
Melhor ir pelo Chega, como faz Santana Lopes, convidado a participar em debate nas jornadas parlamentares do partido, em Coimbra e Leiria.
Entretanto, temos menos 20 mil pobres. Foi isto que conseguimos num ano.
Temos 1,76 milhões, 16,6% da população, a viver com menos de 738 euros.
E isto preocupa-nos? Não. O que nos preocupa são as escadas de ganchos que já serviram a dois bastonários para encavalitarem a política e agora servem aos miúdos que com arruaça vão dizendo que o país não precisa de um militar na Presidência da República.
Para começo de conversa, nem precisamos de Presidente da República. O da Assembleia da República faz bem esse papel.
Estarolas, pensamos que somos ricos, desprezamos o que temos, e não cuidamos de todos.
Preferimos atirar atordoadas, é muita carga na boa de incêndio e pronto. Meter ordem na casa, arrumar a administração pública e ordenar o território são exigências que os políticos de turno não querem saber. E assim estamos onde estamos.
Todos bem cientes que vale tudo, desde que o intuito seja levar os nossos às sinecuras.
Sorte a deles. Mal gasto, mas a água do PRR ainda apaga incêndios. Quando ela acabar, logo veremos a receita.
Só lamento os calculismos táticos que enxameiam a solidariedade, que se faz com ética republicana.
OPINIÃO | AMADEU ARAÚJO – JORNALISTA
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