Justiça
“Em águas de bacalhau”: Não será julgada diretora de escola onde aluno morreu após baliza cair
A diretora de um colégio de Leiria, acusada de homicídio por negligência juntamente com um professor pela morte de um aluno devido à queda de uma baliza, não vai a julgamento, decidiu o juiz de instrução criminal.
“(…) Decido não pronunciar a arguida (…) pela prática do crime de homicídio por negligência que lhe foi imputada ou de qualquer outro crime, ordenando, nesta parte, o oportuno arquivamento dos autos”, refere a decisão instrutória, que remete os autos para distribuição ao Juízo Local Criminal de Leiria, para o docente ser julgado.
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Em março, o Ministério Público (MP) acusou a diretora administrativa e um professor do Colégio Conciliar de Maria Imaculada do crime de homicídio por negligência, sustentando, entre outros aspetos, que aquela era a entidade responsável pelos equipamentos desportivos, pelo que tinha o dever de assegurar o cumprimento dos requisitos de segurança na utilização das balizas.
Na fase instrutória, a arguida alegou, em síntese, que não cometeu o crime, nem violou qualquer dever de cuidado, além de que a baliza não pertence à instituição de ensino.
No despacho de não pronúncia, do passado dia 06 e ao qual a Lusa teve agora acesso, “o Tribunal acha inaceitável que um adolescente tenha morrido no decurso de uma aula” por causa “do uso de equipamento desportivo sem as devidas condições de segurança”.
“Do mesmo modo, é incompreensível (e inaceitável) que o risco de que tal ocorresse se tenha multiplicado pelo número indeterminado, mas seguramente significativo, de vezes em que um tal uso ocorreu, pelo menos no ano letivo de 2020/2021” até à morte do aluno, escreve o juiz de instrução.
E se “isso é do domínio do geral e abstrato”, no concreto, “a questão é a de saber se o inquérito reuniu indícios suficientes” que suportem a acusação à diretora. Porém, não se indicia que esta “soubesse que as balizas em causa eram usadas nas aulas de educação física sem uso de dispositivos de estabilização”.
“Esse conhecimento só lhe seria exigível se fosse reportado pelas pessoas a quem, segundo o regulamento interno da disciplina e instalações [de educação física], incumbia em primeira linha assegurar o uso em segurança de tais equipamentos”, adianta o despacho.
A situação remonta a 25 de maio de 2021, na aula de educação física de uma turma do 9.º ano, realizada no campo de futebol de relvado sintético do estabelecimento de ensino.
Nos factos suficientemente indiciados (apenas considerados os relativos à diretora), lê-se que na aula, iniciada às 15:45, o professor de educação física “distribuiu os alunos da turma em seis grupos”, sendo dois de andebol.
“O espaço onde se realizou a atividade de andebol estava dividido em duas partes, estando colocada, em cada uma delas e nas linhas de topo, uma baliza de andebol, permitindo assim que cada grupo, na parte do espaço que ocupava, realizasse as atividades junto da baliza correspondente”, explica.
Pelas 16:50, um dos grupos “encontrava-se a jogar andebol junto a uma dessas balizas”, sendo que “um dos alunos posicionava-se na baliza, no lugar de guarda-redes, e os outros três trocavam a bola entre si para poderem rematar até marcar golo”.
“Foi nesta altura e porque tinham acabado de marcar golo que trocaram de guarda-redes”, passando o estudante a ocupar a baliza, descreve o documento, esclarecendo que, na sequência dessa troca, a vítima “dirigiu-se em passo de corrida até à baliza” e “pendurou-se na trave superior da mesma”.
Ato contínuo, o aluno “foi projetado para a frente, juntamente com a baliza, caindo no chão, de barriga para baixo, tendo a baliza tombado sobre ele, atingindo-o na zona da cabeça”. Acabaria por morrer pelas 17:44 no hospital de Leiria.
“A baliza não se encontrava fixada ao chão nem lhe tinha sido aplicado qualquer contrapeso para evitar a sua eventual queda ou deslocamento”, acrescenta.
Na decisão, o juiz assinala que a instrução não decide “sobre o que o inquérito poderia e/ou deveria ter sido, mas sim sobre o que foi”, nem “sobre o que a acusação deveria ter sido, mas sobre a que efetivamente foi deduzida”, e deixa claro que o inquérito foi “significativamente longe do que seria ótimo ou mesmo satisfatório”.
Neste aspeto, nota que as primeiras “diligências de investigação” pela Polícia de Segurança Pública (PSP) ocorreram apenas em 13 de dezembro de 2021. Uma semana depois a PSP elaborou o relatório final, no qual “nada se conclui”.
Em janeiro de 2022, o MP determinou que se “solicitasse informação sobre a composição da turma” da vítima e só um ano depois que “a PSP se deslocasse ao local dos factos para averiguar da instalação de mecanismos de segurança das balizas”, refere o magistrado judicial, apontando também que as testemunhas, com exceção de uma, foram “ouvidas praticamente dois anos depois dos factos”.
“O inquérito, que tardou em arrancar, tardou igualmente em findar”, observa, precisando que a PSP “submeteu o segundo relatório final, propondo acusação, em 19 de maio de 2023”, mas esta foi deduzida 10 meses depois “sem que nesse longuíssimo intervalo se tenha feito mais que obter alguma documentação”.
Para o juiz de instrução, “esta incompreensível tramitação (ou falta dela) explicará provavelmente que, neste momento, mais de três anos depois dos factos, várias questões não estejam devidamente esclarecidas, fragilizando significativamente a acusação”.
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