Portugal
“É preciso dar corda de 8 em 8 dias para que não pare”. Relógios de “torre” ainda tocam na vida de aldeias
Em algumas aldeias do concelho da Guarda, o bater das horas pelos relógios comunitários instalados em torres continua a acompanhar o quotidiano das populações, apesar de aqueles instrumentos terem perdido protagonismo para outros aparelhos de uso pessoal.
Na aldeia do Seixo Amarelo, freguesia de Gonçalo, as horas são assinaladas ao som do sino datado de 1881 localizado na torre sineira. A rotina é assegurada pelo relógio mecânico que dispara um repique ao sino e funciona em sintonia com o mostrador colocado no exterior da torre.
Na aldeia, com cerca de 40 habitantes, o som do sino a dar as horas é agora mais uma companhia do que regulador das tarefas do dia.
José Carrainho, de 75 anos, é o guardião do relógio. Toma conta do mecanismo há mais de 40 anos e agora com a ajuda do neto de 21 anos, porque vai faltando a saúde.
“É preciso dar corda de oito em oito dias para que o relógio não pare”, explicou à agência Lusa José Carrainho. A tarefa é cumprida todos aos domingos, dando a uma manivela para que os pesos em pedra que sustentam o mecanismo possam voltar a subir do fundo da torre.
O fiel protetor do relógio conta que só uma vez é que é avariou e foi necessário ser reparado.
“Custou 150 contos (aproximadamente 750 euros, a valores atuais). Foi reparado no Sabugal. Nunca mais avariou”, relatou.
Uma placa afixada no aparelho, com a inscrição “A Boa Construtora – Fábrica Nacional de Relógios Monumentais – Manuel Francisco Cousinha – Almada Portugal”, dá conta da origem do relógio. José Carrainho realça que no concelho há outro igual ainda a funcionar na aldeia do Toito, freguesia de São Miguel do Jarmelo.
Em Aldeia Viçosa, o relógio mecânico já foi substituído por um eletrónico, mas é ao som do sino que a população continua a saber as horas. O sistema está instalado na Torre do Relógio, onde permanecem os dois relógios mecânicos que funcionaram durante décadas.
A Junta de Freguesia tem um projeto para instalar na Torre, datada de 1861, um espaço museológico para expor os mecanismos mais antigos. O presidente, Luís Prata, referiu à Lusa que a autarquia aguarda por financiamento para poder concretizar a ideia.
Mário Aguiar tomou conta do último relógio mecânico durante quase 20 anos. Era preciso dar corda a cada cinco dias. Deixou de funcionar quando se partiu uma peça.
Na aldeia, ainda há quem se regule pelas horas tocadas pelo sino.
“Isso não falha”, diz Guilherme Nunes sentado num banco de jardim no centro da localidade. Maria Alice Guerra também gosta de ouvir o som do sino, porque dá jeito para se orientar.
Em Vale de Estrela, aldeia às portas da Guarda com cerca de 600 habitantes, também não se dispensam as horas tocadas ao som da “Avé Maria”, a partir da Torre da antiga escola, agora sede da Junta de Freguesia.
Se o relógio falhar, há sempre quem alerte.
“Eu moro aqui ao lado. Se não der as horas, ligo logo a alguém da Junta a avisar que o relógio não está a dar”, relata Dulce Ramos.
Houve já quem sugerisse reduzir o som do relógio durante a noite, mas a ideia não foi bem recebida e a Junta de Freguesia decidiu manter o funcionamento 24 horas por dia.
O presidente da Junta, Ricardo Gonçalves, admite que a manutenção do relógio dá alguma despesa, porque as peças são caras. “Mas se as horas não batem, as pessoas reclamam”.
Elsa Santos conta que substitui as janelas de casa e agora ouve menos o som das horas, mas defende que é um património que tem de ser mantido, porque acompanhou gerações.
Para manter o funcionamento do relógio analógico é necessário dar corda uma vez por semana.
O relógio, que está na sede da Junta, transmite o toque das horas através de um amplificador de som para os altifalantes no cimo da torre. A ideia da Junta é restaurar o interior da Torre para a tornar visitável e recuperar o relógio existente na fachada para que funcione em sintonia com o som das horas.
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