Opinião

É caso para estarmos preocupados

MANUEL ROCHA | 10 anos atrás em 12-11-2014

Maria Luísa Albuquerque, dirigindo-se aos convivas do Lisbon American Club afirmou que “a classe média acaba por ser a grande sacrificada [pela crise] porque se procura sempre proteger os quem tem menos recursos e porque infelizmente ricos temos poucos.

Se tivéssemos mais [ricos] facilitaria, mas infelizmente em Portugal, de facto, não há muitos”. Assim se inaugura a lenda o Robin dos Bosques lusitano – o herói do avesso que rouba aos remediados para não incomodar os ricos, aumentando os pobres.

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A realidade é, como é óbvio, diferente da ficção ministerial. Segundo a Revista Exame “os 25 mais ricos de Portugal somam uma fortuna de 16,7 mil milhões de euros e representam 10% do PIB de 2013. A fortuna dos mais ricos de Portugal subiu, após os 14,4 mil milhões de euros contabilizados em 2012”. Foi a estes 25, e a mais uns quantos dos “poucos” que têm muito, que a ministra das Finanças quis descansar, publicamente para que não houvesse dúvidas acercade quem serve.

Agora os pobres, a quem a “classe média” vem ajudando. Citado pelo jornal “Público”, o INE assinala que “em 2013 25,5% dos residentes em Portugal viviam em privação material, mais 3,7 pontos percentuais do que em 2012 (21,8%), enquanto 10,9% da população estava em privação material severa, ou seja, existiam famílias sem acesso a quatro ou mais itens – por exemplo, 59,8% das pessoas não tiveram capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa, ou 43,2% não conseguiam pagar de imediato uma despesa inesperada, sem recorrer a um empréstimo”.

Ora se os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, já se vê para onde tem ido o rendimento subtraído à “classe média” (e aos próprios pobres alegadamente protegidos pelo governo da ministra das Finanças)! Tem de ser assim? Não tem. Mesmo sem ser tão drástico quanto o autêntico (se bem que lendário) Robin Hood, o tal que “roubava aos ricos para dar aos pobres”, vejamos o que se poderia fazer – e apenas pela via fiscal! – para reduzir as desigualdades sociais em Portugal.

Refira-se, logo à partida, que não há, em Portugal, “impostos a mais” em abstrato. O que há é um peso fiscal crescente, e insuportável, sobre os rendimentos dos trabalhadores, dos reformados, das famílias, dos micro e pequenos empresários – a tal “classe média” – ao mesmo tempo que os ricos (estes sem aspas) beneficiam de uma desoneração escandalosa da tributação dos seus lucros e dos seus jogos de especulação financeira.

O caminho da recuperação da capacidade económica dos não-ricos passa, desde logo, por desonerar fiscalmente os trabalhadores e as famílias, assim como as micro e pequenas empresas, e obrigar o grande capital a um esforço fiscal mais elevado e adequado. O PCP levará, nestes dias, à Assembleia da República, uma proposta de reformulação da máquina fiscal, com o objetivo de dissipar o nevoeiro do desânimo que tanto favorece o surgimento dos dons-sebastiões-prometedores de alterne.

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O objetivo da proposta tem, no que se refere à ministra da Finanças, um assinalável alcance pedagógico. Deste modo poderá devolver, aos pobres e remediados, os recursos que engordam tanto os seus poucos ricos. Trata-se, tão-só, de promover uma tributação mais justa dos lucros dos grandes grupos económicos e das grandes fortunas e o combate à especulação financeira. Como? Repondo, em sede de IRC, a taxa normal de 25% e criando uma nova taxa de 35% para lucros acima dos três milhões de euros; impedindo o planeamento fiscal por parte dos grandes grupos económicos e financeiros e estabelecendo o princípio da utilização dos resultados contabilísticos para o apuramento da taxa de IRC; aumentando, em sede de IRS, a taxa do imposto para os rendimentos muito elevados, tributando os rendimentos coletáveis entre 105 mil e 152 mil euros a uma taxa de 50%, os rendimentos entre 152 mil e 500 mil euros a uma taxa de 60% e acima de 500 mil euros a uma taxa de 75%; criando uma nova taxa de 25% de IVA para bens e serviços de luxo; promovendo, em sede do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o fim de todos os benefícios ao offshore da Madeira e aos fundos de investimento, bem como o fim da isenção de 50% do IMI e do IMT pago pelos fundos imobiliários.

E mais – tão extenso é o caderno de benefícios dos ricos da ministra: propõe-se promover o Imposto sobre Transações Financeiras, abrangendo as transações em mercado regulado, em mercado não regulado e fora do mercado, consignando parte da receita deste imposto ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social; e estruturar o Imposto sobre Património Mobiliário, incidindo sobre as participações de capital nas empresas e títulos financeiros como poupanças, títulos de dívida privada e outros instrumentos financeiros associados à especulação, tributando o património a partir dos 100 mil euros; e ainda acabar com o mealheiro privado dos banqueiros, propondo que a contribuição sobre o setor bancário deixe de estar consignada ao Fundo de Resolução da banca.

Fazendo as contas, o impacto desta proposta do PCP permitiria alivia os “pobres” e a “classe média” em 5.500 milhões de euros, onerando os “ricos” em 9.310 milhões de euros. Sendo arrecadada a importância de 3.810 milhões de euros, ganhar-se-ia no bem-estar de todos nós e no cumprimento das funções sociais do Estado. O único senão seria o de provocar uma indigestão nos comensais do Lisbon American Club, mas deles havia de ocupar-se o Serviço Nacional de Saúde.

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MANUEL ROCHA

Militante do PCP

Lider da bancada CDU na AMC de Coimbra

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