Opinião
Domingo Agridoce
Não faz sentido… Eleições, Benfica e Óscares? Tudo na mesma noite!? Na qualidade de benfiquista cinéfilo que aprecia política e democracia — condição que, intuo, será partilhada por boa parte dos meus compatriotas —, lamento profundamente esta coincidência de calendários. Não havia necessidade de obrigar toda esta gente a uma ginástica emocional e intelectual capaz de rebentar aneurismas.
Entre o golaço de Orkun Kokçu, a consagração de Christopher Nolan e a eleição de 48 deputados do CHEGA, o meu cérebro ainda se encontra a processar tamanha informação, não sabendo por enquanto se, no balanço global, este domingo garantiu uma boa noite. Até agora, o sentimento é agridoce.
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No caso do golo do Benfica, é mais fácil de discernir o seu sabor. Nos últimos tempos, o acre tem sido mais prevalente do que o doce e, por isso, uma vitória (mesmo curta ou pouca merecida) é acolhida com a avidez de um esfomeado a quem é atirada uma carcaça com três dias.
Já os Óscares foram mais difíceis de engolir. Foi tão prazeroso assistir ao génio cómico de Jimmy Kimmel, à redenção de Robert Downey Jr. e ao reconhecimento do criador de “Memento”, “Inception” ou “Prestige”, quanto era escusado ver o talento de Martin Scorsese olimpicamente ignorado de forma quase consecutiva. O homem está velho e eu cá prefiro homenagens em vida, quando o corpo ainda não está frio.
E, depois, as eleições… também elas de complexa interpretação. Hoje, já distante, fico com a ideia de que, com excepção do Ventura e dos seus 47 acólitos parlamentares, ninguém tem razões para ficar muito contente. Mesmo para quem, como eu, desejava uma mudança de rumo, o desfecho foi pouco satisfatório.
Ora, vejamos:
O PSD ganhou, mas não sabe ainda se dura até ao final do ano; O PS perdeu, mas não perdeu por tanto quanto se antecipava;
A IL ganhou votos, mas ficou na mesma, como a lesma;
O Bloco ganhou uns poucos votos, mas perdeu para a sua arqui-inimiga, a direita diabólica que assusta avozinhas;
O Livre ganhou deputados, mas parece não saber o que fazer com eles;
O PCP perdeu tantos votos e deputados, que ameaça sucumbir à fatal sina ditada pela Queda do Muro de Berlim;
E o PAN está indeciso entre o desgosto de não crescer um milímetro e o contentamento de não desaparecer do mapa.
No final de contas, o sentimento geral é de que, com uma ou outra nuance, toda a gente perdeu. O único vencedor terá sido mesmo André Ventura, que, depois de quadruplicar a votação da sua agremiação, pode condicionar seriamente a esfera governativa. Porém, também ele tem um dilema agridoce, já que, se o líder do CHEGA condicionar demasiado, arrisca-se a entregar de bandeja a governação ao PS, o seu eterno inimigo, viveiro das pessoas de mal.
Para piorar a digestão eleitoral, António Costa ainda se permitiu vir a público atirar o ónus do crescimento da direita populista para o excêntrico e inventivo Marcelo Rebelo de Sousa, um Presidente da República que, segundo o Primeiro-Ministro demissionário, não só não sabe estar calado como não sabe gerir atos eleitorais consoante os melhores interesses do regime. “Caramba, Marcelo, havia necessidade de tantas eleições?”, interrogou António Costa, num subtexto de livre interpretação.
Finalmente, o agridoce da abstenção…
Então não é que há eleitores que nem sabem distinguir a AD do ADN!? A subida de 10 mil para 100 mil votos do ADN — o partido que congrega os chalupas dos chalupas — faz-nos crer que muitos compatriotas saíram das urnas convencidos de que tinham votado Luís Montenegro, quando na verdade deixaram a cruz no Bruno Fialho, um dissidente do CHEGA que olha para o André Ventura e vê um político demasiado moderado. A acreditar nos especialistas, esta confusão terá custado, pelo menos, dois deputados à AD, um número aparentemente pouco significativo, mas que, para o palato do CDS, seria um verdadeiro banquete parlamentar. Provando-se, assim, que até em política há “N” maneiras de estragar uma boa receita.
Será a abstenção, afinal, uma barreira sanitária necessária ao bem do regime? Será ela uma espécie de fronteira darwinista que nos defende dos eleitores — à falta de melhor expressão — estúpidos? Não sei mesmo o que pensar. Talvez seja melhor evitar estes domingos agridoces de futebol medíocre e política sofrível, e dedicar os próximos serões dominicais a revisitar “Casino”, “Goodfellas” ou “O Irlandês”. Máfia por máfia, as do Martin são muito mais divertidas.
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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