Universidade
Deputada brasileira acusa Boaventura de Sousa Santos de assédio sexual
A deputada estadual brasileira Bella Gonçalves afirmou hoje que foi assediada sexualmente pelo investigador Boaventura de Sousa Santos e que denunciou o caso no Centro de Estudos Sociais (CES), mas que lhe disseram que o professor “era intocável”.
A deputada estadual de Minas Gerais, que já tinha dado o seu relato, ainda que não identificada, ao jornal Público, na sexta-feira, decidiu assumir a sua identidade numa entrevista ao portal ‘online’ brasileiro Agência Pública, especializado em jornalismo de investigação.
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Em declarações à Lusa, a deputada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) lembrou que, na altura do assédio, em 2013, procurou professores e professoras do CES da Universidade de Coimbra.
“O tom geral era que de facto ele era intocável, qualquer denúncia poderia colocar em risco o meu processo de doutorado. Eu não tinha como colocar em risco o meu processo de doutorado estando a receber uma bolsa”, acrescentou, sublinhando que, caso o doutoramento não fosse concluído, teria de devolver o dinheiro ao Governo brasileiro.
A deputada disse ainda que chegou a denunciar o assédio por parte de Boaventura de Sousa Santos ao “coordenador do curso, que à época se estava tornando diretor do CES, que era António Sousa Ribeiro”.
Questionada sobre se teve conhecimento de mais casos de assédio, respondeu que o seu “não era um caso isolado”.
Em agosto de 2013, com 25 anos, a agora deputada do segundo maior colégio eleitoral do Brasil iniciou o doutoramento no programa de Pós-Colonialismos e Cidadania Global no CES e aprofundou a relação de trabalho com o professor Boaventura de Sousa Santos, o seu orientador.
Ao agendar uma das reuniões de orientação de tese, perguntou se se encontrariam no gabinete do investigador, ao que, relatou, o professor respondeu que a reunião seria na casa do próprio.
“Não era reunião de orientação coisa nenhuma. Ele estava ali tentando uma aproximação”, explicou.
“Oferece bebida, eu rejeito. Depois fala que estar próximo dele me daria muitas vantagens no meio académico, até se sentar do meu lado, agarrar a minha coxa e sugerir que poderia aprofundar a relação. Nesse momento eu pego as minhas coisas, saio meio atordoada de lá”, detalhou.
No dia seguinte, teve uma reunião na sala de Boaventura para discutir um outro trabalho feito juntamente com o seu ex-companheiro e, segundo Bella Gonçalves, o investigador fez críticas bastante duras ao trabalho, em especial ao seu ex-companheiro.
“Eu compreendi que se tratava de uma retaliação, que se tratava de um assédio moral após uma negativa de aproximação íntima”, denunciou.
A deputada afirmou ainda que na altura, além de recear fazer a denúncia por o doutoramento estar em curso, não via contexto para avançar.
“Agora tenho condições que muitas mulheres não têm para denunciar”, afirmou, referindo-se à visibilidade dada pelo cargo.
A Lusa questionou hoje, por correio eletrónico, Boaventura de Sousa Santos sobre estas acusações, mas não obteve resposta.
À Lusa, questionado sobre se recebeu as denúncias, António Sousa Ribeiro respondeu: “Estando anunciada uma comissão de averiguações, prestarei todos os esclarecimentos e, se necessário, apresentarei prova documental na sede própria.”
Este caso de alegado assédio envolvendo os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins, também do CES, foi conhecido esta semana. Ambos negaram as acusações e suspenderam a atividade, a seu pedido.
Três investigadoras que passaram pelo CES denunciaram situações de assédio e violência sexual por estes dois membros do centro de estudos num capítulo do livro “Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade”, publicado pela editora internacional Routledge.
“Quando eles se colocam numa posição defensiva, desqualificando as mulheres que escreveram o artigo, desqualificando inclusive o desempenho académico dessas mulheres, numa posição de negação absurda, ali eu já não tinha mais condições de me calar”, sublinhou a deputada.
Bella Gonçalves pondera ainda apresentar uma queixa formal às autoridades, mas admite que tem de avaliar a situação de desgaste que todo esse processo traria.
Vendo com bons olhos o afastamento dos dois investigadores do CES, considera que o caso tem um grande alcance: “Eu não sou uma pessoa que acredita na justiça punitivista, não o quero ver pagar por o que ele fez. Não é sobre ele, é sobre a alteração desse sistema.”
A deputada sublinhou que o CES e a Universidade de Coimbra são instituições muito importantes para o pensamento crítico, inclusive no Brasil e em toda a América Latina.
“O meu objetivo aqui não é de nenhuma forma atacar o legado do conhecimento científico que foi produzido ali, nem sequer atacar o conhecimento científico que foi produzido por Boaventura”, concluiu.
Num comunicado divulgado na sexta-feira, Boaventura de Sousa Santos refere que decidiu afastar-se das atividades do CES, para que “a instituição possa fazer, com toda a independência que necessária, as averiguações das informações apresentadas e dar consequência ao processo de apuração interna” através de uma comissão independente.
Também o próprio CES informou na sexta-feira que os investigadores estão “suspensos de todos os cargos que ocupavam” na instituição até ao apuramento das conclusões da comissão independente que vai averiguar as acusações.
Boaventura de Sousa Santos é diretor emérito do CES e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa daquela instituição, fazendo também parte da comissão permanente do conselho científico do centro de estudos.
Já Bruno Sena Martins, formado em Antropologia, é, de acordo com o ‘site’ do CES, co-coordenador do programa de doutoramento Direitos Humanos nas Sociedades Contemporâneas e docente no programa de doutoramento Pós-Colonialismos e Cidadania Global, tendo sido vice-presidente do conselho científico entre 2017 e 2019.
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