Coimbra
Decifrar os enigmas da leucemia é o desafio de uma equipa de Coimbra e Salamanca
Investigadores espanhóis e portugueses de Salamanca e Coimbra querem subir um degrau na investigação da leucemia, pelo que criaram uma rede ibérica, a IDIALNET, para decifrar chaves ainda por descobrir para o diagnóstico precoce e a prevenção deste tipo de cancro.
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O diagnóstico precoce é a base para que a população não desenvolva este tipo de tumores, explica à EFE Julia Almeida, uma das responsáveis pelo Centro de Investigação do Cancro (CIC) em Salamanca, referência ao nível mundial em desenvolvimento de terapias e métodos que se usam em todo o mundo para lutar contra a leucemia.
Investigadores de Espanha e Portugal criaram no ano passado a Rede Transfronteiriça de Inovação em Diagnóstico Precoce da Leucemia para um envelhecimento saudável, através da iniciativa IDIALNET, cujo fim é investigar durante dois anos os fatores que propiciam o aparecimento da leucemia em pessoas idosas.
Com esse objetivo, diferentes entidades luso-espanholas vão investir aproximadamente 1,1 milhões de euros e o Programa INTERREG V-A Espanha-Portugal (POCTEP) da União Europeia irá contribuir com 863.000 euros.
Segundo Julia Almeida, no total, nos dois anos do projeto, serão recrutadas 2.000 pessoas de Espanha e 1.000 de Portugal, pretendendo-se detetar precocemente a leucemia linfática crónica, que é a mais comum nas pessoas idosas.
Por detrás destas três mil amostras experimentais estão dezenas de investigadores, doutorados, médicos dos hospitais de Salamanca e Coimbra e cientistas de diferentes empresas das duas cidades, onde são desenvolvidos fármacos ou ferramentas que ajudam a combater a leucemia linfática crónica, que representa 30% dos tipos de leucemia nos países ocidentais e que tem uma prevalência de entre quatro-seis pessoas por cada 100.000 habitantes, já que “globalmente é o quinto tumor mais frequente”.
Os avanços contra este tipo de cancro passam pelas metodologias “altamente sensíveis” que têm sido aplicadas pelo CIC de Salamanca para identificar “células iguais às da leucemia em indivíduos saudáveis”, circunstância que se dá em 14% da população geral.
Essa incidência de células tumorais vai aumentando de forma gradual em função da idade e sabe-se que “está relacionada com uma alteração, uma deficiência do sistema imune destes indivíduos”, que, sublinha a responsável, estão saudáveis.
Por isso, a comunidade científica está consciente de que a tarefa é identificar esses fatores genéticos ou externos do sistema imune que são “capazes de influenciar de alguma maneira a evolução da doença”.
O catedrático de Medicina na Universidade de Salamanca Alberto Órfão, cientista português que lidera a investigação no CIC, vai mais além e assegura que “2% a 3% das crianças nascem com células que têm as mesmas alterações do que uma leucemia infantil, mas, no entanto, só uma pequena parte vai desenvolver a leucemia”.
E aí está o grande enigma que motiva esta investigação, já que “entender porque os restantes não a desenvolvem permitiria ter ferramentas para evitar o desenvolvimento”, afirma Órfão, que foi um dos fundadores, juntamente com Julia Almeida, do Centro de Investigação do Cancro no ano 2000, o primeiro criado na Península Ibérica destas características.
Alberto Órfão explica os avanços para combater a leucemia nas últimas décadas, já que “muitas leucemias que há 20 anos tinham um prognóstico nefasto são agora controladas com medicamentos”.
No entanto, no caso deste tipo de cancro, “a melhor cura é a prevenção, porque não é tóxica”.
Das duas linhas de atuação para travar a leucemia, uma, nos casos de pacientes com o tumor detetado, passa por um tratamento eficaz que se centra na morte da célula.
Atualmente, “o que se tenta é ativar o sistema imune do indivíduo para que o próprio sistema seja capaz de se defender dos tumores, como nos defende das infeções, vírus, etc.”.
No entanto, “a outra linha de força é ir às fases antecipadas, detetar o momento do começo, no qual é bem mais fácil poder atuar”.
Em ambos os casos, o que surge nos últimos anos é “um papel chave do sistema imune”, com o fim de ir ao “diagnóstico e à intervenção precoce”. É esta a orientação do projeto que arrancou em julho do ano passado entre a comunidade científica de Salamanca e Coimbra
Julia Almeida sublinha que com este método se encontra “uma situação muito anterior ao desenvolvimento da leucemia”.
“Atualmente sabemos que há causas genéticas […], o modelo imune está a influenciar de maneira fundamental o favorecimento de expansões que envolvem a leucemia, mas o objetivo destas investigações é precisamente esse, conhecer quais são esses fatores”, explica a catedrática espanhola.
Por isso, nos últimos anos foram desenvolvidos novos tratamentos terapêuticos contra a leucemia que estão “direcionados a moléculas ou a mecanismos mais moleculares” e, desta maneira, estão “a personalizar esta doença, também com tratamentos de imunoterapia que realmente revolucionaram a reposta dos pacientes”.
Face à “heterogeneidade da leucemia”, como define Julia Almeida, os médicos de cuidados primários da região Centro de Portugal e da zona espanhola de Castela e Leão são os encarregados de recrutar as 3.000 pessoas envolvidas na investigação.
Trata-se, enfatiza a catedrática, de “uma corrida longa”, pelo que irão realizar um estudo de investigação em profundidade para identificar os fatores ou as alterações do sistema imune que incidem na doença.
A transferência das descobertas para que possam ser aplicadas em doentes de todo o mundo é o objetivo final do Centro de Investigação do Cancro de Salamanca, que vê as suas ferramentas, ali criadas e desenvolvidas por várias empresas, a ter um papel relevante em hospitais de todo o mundo.
Segundo Alberto Órfão, a parte “translacional” é importantíssima, já que há ferramentas de diagnóstico e rastreamento de tratamentos de leucemia que se usam em todos os hospitais do mundo e que foram criadas no CIC de Salamanca.
“Alguém que tenha um mieloma, para avaliar o tratamento, se está a ser eficaz ou não, pois são utilizadas patentes desenvolvidas aqui [CIC]” e, inclusivamente, comercializadas por empresas desta zona espanhola, refere Órfão.
A empresa que se encontra no próprio CIC, a Immunostep, dirigida por Ricardo Jara, participa no projeto luso-espanhol IDIALNET para transferir a tecnologia que possa ser desenvolvida ao longo destes dois anos.
As células das 3.000 pessoas são analisadas com os citómetros de fluxo da Immunostep, que, além disso, vai desenvolver uma plataforma robótica para monitorizar os resultados que se vão obtendo destes participantes, indica Ricardo Jarra.
Do lado espanhol também participa a empresa biotecnológica Cytognos, de Salamanca, enquanto a portuguesa Infogene, com sede em Coimbra, contribui para o projeto com a sua experiência em análise genética.
Carlos Garcia, da agência EFE
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