Uma maçã cantada por José Afonso tem alguma relação com as raízes galegas de Camões, cuja vida também em Coimbra continua envolta em lendas e efabulações meio milénio depois do nascimento do poeta.
Na Idade Média, várias famílias da Galiza rumaram ao sul por diferentes motivos, acabando por se fixar em Portugal, ainda as fronteiras do reino não estavam consolidadas.
“Os antepassados de Luís de Camões (1524-1580) provieram da Galiza, mais propriamente de uma localidade chamada Camós. Camões é, pois, na sua origem, um gentílico, assunto acerca do qual existe um consenso crítico bastante alargado”, disse à agência Lusa Rita Marnoto, comissária para as comemorações dos 500 anos do autor de “Os Lusíadas”.
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Admite-se que o topónimo Camões, uma aldeia no concelho de Castelo Branco, tenha uma ligação remota a Camós, de onde descendem vários ramos dos Camões portugueses.
“O entusiasmo na acumulação de dados acerca da vida do poeta, bem como a pouca atenção tantas vezes dispensada às investigações de historiadores e arquivistas têm levado, por vezes, à proliferação de informações algo confusas”, afirmou a professora da Universidade de Coimbra.
Enalteceu, contudo, os trabalhos nesta área de Maria Clara Pereira da Costa e de Martim de Albuquerque, “pelo rigor e pela cuidada reavaliação da tradição biográfica camoniana”.
“Não obstante, as linhas de pesquisa que trouxeram à luz e exploraram esperam ainda outros desenvolvimentos, como os próprios o admitiram”, acrescentou.
Rita Marnoto salientou que o local onde nasceu Camões é um dos assuntos da sua biografia “que mais curiosidade tem despertado, suscitando respostas diversificadas”.
“No estádio atual das pesquisas, não é possível determinar qual foi. Contudo, possuem-se dados que permitem estabelecer, com grande segurança, o enquadramento e o estatuto da sua família”, adiantou.
A historiadora ressalvou que os ascendentes de Luís Vaz de Camões “não foram os primeiros galegos oriundos de Camós a descerem até Portugal”.
Vindas de Camós, município de Nigrán, pessoas com esse apelido atravessaram o rio Minho, radicaram-se em Lisboa e noutras zonas, “dedicando-se ao comércio ou exercendo trabalhos braçais”.
“A crítica especializada entende não ser essa a estirpe dos Camões galegos a que o poeta se encontra ligado”, devendo ele descender de Vasco Peres de Camões, oriundo da mesma localidade, perto de Baiona, “mas cujo estatuto social o distingue como vassalo de reis”, realçou.
Vasco chegou a Portugal na sequência do assassínio, em 1369, de Pedro I de Castela e Leão, “O Cruel”, e passou a ser vassalo de D. Fernando e D. Leonor Teles.
Falecido o monarca, “entrega-se com fervor ao partido de D. Leonor Teles”, que reivindicava o direito de D. João de Castela, casado com sua filha D. Beatriz, à sucessão do trono português.
Na “Crónica de D. João I”, Fernão Lopes posiciona Vasco de Camões no círculo próximo da rainha viúva, com forte envolvimento na luta contra o Mestre de Avis, futuro D. João I, incluindo na batalha de Aljubarrota, em 1385.
Maria Clara da Costa e Martim de Albuquerque “não põem em causa a descendência” do autor de “Os Lusíadas” de Vasco de Camões, “integrando-o no ramo dos Camões de Coimbra”, referiu Rita Marnoto, ao alertar que a investigação tem sido “dificultada por vários casos de homonímia no seio da família Camões”.
Na sua obra-prima, o poeta evoca Inês de Castro, também galega, executada em 1355, junto ao rio Mondego, devido aos amores com o futuro rei D. Pedro I: “Estavas, linda Inês, posta em sossego, de teus anos colhendo doce fruto”.
Tal como o seu amigo José Mário Branco musicou Camões (“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”), também o cantor José Afonso consagrou o poeta (“Verdes são os campos”).
Senhora do Almortão e Senhora da Póvoa, em Idanha-a-Nova, eram duas grandes romarias da Beira Baixa.
No tema “Senhora do Almortão”, José Afonso, assumindo a voz popular, chama à Senhora da Póvoa “maçã camoesa criada no paraíso”.
Estamos novamente perante o gentílico, embora feminino, do topónimo galego Camós, de onde ter provindo esta variedade de maçã.
Afonso Camões, que reside em Camões, nega que o apelido da família tenha ligação ao poeta, resultando antes do facto de um seu ascendente ser natural daquele povoado, em Castelo Branco.
“O meu tetra-avô, nascido em Camões, era apenas Manuel. Como casou na aldeia ao lado, onde havia vários homens com esse nome, passaram a chamar-lhe Manuel de Camões”, explicou o jornalista à agência Lusa.
Nas terras que possui no lugar, além de criar ovelhas, tem diferentes árvores de fruto, designadamente macieiras que lhe proporcionam o sabor único da maçã camoesa.
“Elas aqui dão-se bem”, confirmou.
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