Saúde

Covid-19: Sem condições para o isolamento, Lucinda e Edmundo mantêm rotina no balneário público

Notícias de Coimbra | 5 anos atrás em 11-04-2020

 Lucinda e Edmundo, com mais de 70 anos, vivem numa casinha sem o devido saneamento básico, no bairro lisboeta da Serafina. Deviam estar em casa devido à pandemia de covid-19, mas a higiene pessoal obriga-os a ir ao balneário público.

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“Isto tem de estar aberto todos os dias, porque isto faz falta à gente”, reclama Lucinda Campos, de 75 anos, enquanto espera que o marido, Edmundo Campos, de 77, acabe de tomar banho.

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Sentada à entrada do balneário, onde se destaca a escultura de baixo-relevo “Sereia” (1948) de Jorge Barradas, e protegida com máscara, a idosa controla o relógio. Têm ainda de apanhar o autocarro para ir ao supermercado.

Habituados desde miúdos a recorrer ao balneário do bairro da Serafina, inaugurado em 1949, o casal continua a rotina de antigamente, mantendo os cuidados de higiene em dia, mas hoje com maior proteção, para evitar possíveis contágios da covid-19.

“Tomar banho em casa não me ajeito”, conta à Lusa Edmundo Campos. A mulher, como se queixa de que já custa a subir a rua, tem tomado banho em casa, no chão da cozinha, com alguidares e água aquecida.

No bairro da Serafina, o casal habita há 50 anos na mesma casa, no número 1 do pátio número 279, na 3.ª Rua Particular. O endereço parece complicado, mas as condições em que os dois vivem, em pleno século XXI, são bem mais difíceis de perceber.

Cheia de memórias, nos cerca de 10 metros quadrados disponíveis, a habitação dispõe de uma cozinha, onde arranjaram espaço para acolher uma tartaruga, e um quarto. Continuam a pagar uma renda, ainda que antiga, de cerca de 10 euros por mês.

“No meu tempo, quando era miúda, isto sempre esteve aberto, nunca esteve fechado”, insiste Lucinda, refilando sobre o funcionamento do balneário, reclamação que já fez chegar à Junta de Freguesia de Campolide, gestora do equipamento.

Com o sorriso escondido pela máscara de proteção, sobressaem os olhos azuis no rosto – os mesmos que conquistaram o marido, na estação de comboios de Campolide, onde se conheceram, porque se cruzavam diariamente a caminho do trabalho.

“Isto é uma história muito complicada. Eu não gostava muito do meu marido, não gostava dele naquela altura, mas onde a gente tem de ir não pode fugir, diz que é um ditado antigo. Fiz muitas atrocidades para ele me largar da mão, mas o meu destino já estava guardado para aqui, e tive de ficar aqui. Já estou com ele há 50 anos, fez no dia 04 de janeiro 50 anos que casei”, confidencia Lucinda.

Por mais que quisesse sair do bairro da Serafina, a vida encaminhou-se no sentido de ficar: “Arranjei uma casinha, ainda hoje lá estou. Conto tantos anos de casada como tenho naquela casa onde moro, mas aquela casa não tem condições”.

Sem saneamento básico, decidiram investir numa casa de banho no fundo do pátio onde vivem, mas não tem duche, pelo que continuam a precisar de ir ao balneário.

“Se tivesse uma casa de banho como deve ser, também escusava se calhar de ter de vir aqui, mas sou obrigada”, diz a idosa, à entrada do balneário, explicando que já vem menos vezes, porque as deslocações ficaram mais difíceis depois de ter sido operada a uma perna.

Além do banho, que custa 20 cêntimos, o casal utiliza o balneário para lavar e secar roupa (1,50 euros).

Localizado junto ao parque florestal de Monsanto e ao Aqueduto das Águas Livres, o equipamento público, inaugurado em 1949, tem registado nesta altura um aumento de cerca de 50% na procura, segundo o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, André Couto.

Em tempo de pandemia, funciona com horário alargado (só não abre ao domingo), depois de outros balneários da cidade terem fechado, e com medidas de prevenção para evitar contágios, como uma desinfeção mais frequente. No geral, segundo o autarca, há “mais homens do que mulheres e com perfis de idades variados”, na maioria fregueses de Campolide.

Lucinda e Edmundo desejaram ter filhos, mas não conseguiram. Hoje, encontram-se quase desamparados, sem sobrinhos em Lisboa, e com a responsabilidade de ajudar a mãe de Lucinda, que tem 97 anos e também vive no bairro. A situação agudiza-se em tempos de pandemia – pertencem ao grupo de risco, que tem de fazer isolamento obrigatório em casa e só pode sair em circunstâncias excecionais.

Sem perceber a evolução da doença, Lucinda mostra resistência e até critica o marido, acusando-o de já não estar bom da cabeça: “Ele anda sempre a lavar as mãos, esfrega as mãos com álcool, diz que ouve na televisão”.

“Estou farto de dizer a ela para lavar as mãos com sabão”, responde Edmundo, acrescentando, quanto ao banho, que é “dia sim, dia não, porque tomar banho todos os dias também enfraquece a pessoa”.

Conhecido pela alcunha de Euromilhões, o idoso explica que gostava muito de jogar, mas a falta de sorte fez com que desistisse. Por coincidência, encontrou um boletim de jogo no balneário e foi ver se tinha prémio. Ganhou cinco euros.

“A vida, às vezes, dizem que é um romance e é verdade”, conclui Lucinda Campos, rejeitando uma possível infeção pelo novo vírus, como se fosse possível traçar o destino.

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