Economia
Conserveira Pinhais não mudou em 100 anos e torna-se num museu vivo
Passaram 100 anos e nada mudou na Pinhais, em Matosinhos, a única fábrica de conservas em Portugal que mantém o método tradicional de produção e que, agora, “navega em novas águas” ao transformar-se num museu vivo.
Custa a acreditar, mas é verdade. A Pinhais, que a 23 de outubro assinala o marco dos 100 anos, é já “muito velhinha” em idade, mas também em hábitos, decidindo manter os seus inalteráveis desde 1920, designadamente o processo de produção das conservas de sardinhas.
O edifício, as bancadas de mármore, os fornos, as grelhas, os tanques de salmoura, o livro de ponto e até o sino datam de 1920. O método, esse, também. Na Pinhais não há máquinas, exceto as de cozedura do peixe e cravação e esterilização das latas. Tudo o resto é feito pelas mãos de 121 trabalhadores.
“Não abdicamos disto. Somos a única fábrica a manter o método tradicional e assim vamos continuar, porque é isso que mantém a qualidade dos nossos produtos”, disse à Lusa António Pinhal, representante da terceira geração de conserveiros.
Desde a entrada da matéria-prima, que é o peixe, até à sua saída, em conservas, é tudo feito à mão, nada de máquinas, reforçou.
O funcionamento da fábrica é uma “espécie de puzzle” onde, peça a peça, ele vai ganhando forma, embora devagar. Isto é, num “dia bom” a Pinhais produz 25 mil latas de conservas, número bem longe do horizonte das mais de um milhão que as outras fábricas mecanizadas conseguem, adiantou a diretora de Marketing, Patrícia Sousa.
Todos os dias, às 06:00, colaboradores da Pinhais estão na lota de Matosinhos, no distrito do Porto, a comprar sardinha em leilão. Negócio feito e duas horas depois, a sardinha chega à fábrica e é colocada durante 40 minutos em tanques de salmoura, que não é mais do que água e sal para repor a salinidade da mesma e deixa-la “rijinha” para ser mais fácil de manusear, adiantou.
Segue-se o descabeço. Nas bancadas de mármore cada mulher, com a mão e num só golpe, retira a cabeça e toda a tripa das sardinhas, colocando-as em grelhas.
À medida que as grelhas vão sendo preenchidas, são passadas em tinas de água, para ficarem limpas, e vão ao forno durante sete a 12 minutos, mediante a dimensão e gordura do peixe.
Arrefecidas, as sardinhas são depois enlatadas, com molho de tomate e azeite, cravadas, esterilizadas e colocadas a maturar entre 60 a 90 dias, antes de seguirem os seus destinos, que já são muitos, afiançou Patrícia Sousa.
A Áustria é o principal mercado da Pinhais, mas também a Itália, Dinamarca, Austrália ou Estados Unidos da América. Neste momento, exporta para 47 países de todo o mundo, revelou.
E um dos segredos destas conservas está no molho de tomate feito pela dona Emília Vaz, de 67 anos, e há 49 na Pinhais.
A mais antiga colaboradora não quis revelar a receita do molho, pelo menos à Lusa, porque a sua sucessora já a sabe e bem, confirmou.
“O nosso tomate é muito bom, é o melhor que têm as conservas, mas a receita não se pode revelar”, riu.
Faz o melhor tomate, mas não gosta dele. A confissão é da própria que, comentou, sempre que o prova, bebe um copo de água de seguida.
Não é caso único. Também Emília, de 64 anos, é a responsável pelo corte do `pickle´ para o molho de tomate, mas também não gosta dele, por isso, não se atreve a provar sequer.
O que se atreve, e bem, é a cantar um fado que, diz, ajuda a passar o tempo e a entreter, dizendo mesmo ser a fadista “cá da Pinhais”.
No próximo ano, previsivelmente em julho de 2021, a Pinhais vai tornar-se num museu vivo, abrindo as suas portas a quem queira ver, por exemplo, as Emílias a trabalhar.
“Vai ser um museu vivo da indústria conserveira. As pessoas vão poder ver as coisas a acontecer, ver toda a produção, fazer provas e participar em iniciativas”, revelou, acrescentando que este será feito em colaboração com a Câmara Municipal de Matosinhos.
Mas, as novidades não ficam por aqui e, aos 100 anos, a Pinhais, cuja produção é 98% de conservas de sardinhas, sendo os restantes 2% de cavala e carapau, vai aventurar-se no mundo dos patês, confidenciou António Pinhal.
O objetivo é aproveitar a sardinha por inteiro e fazer um subproduto, determinou.
Dlim, dlão. E toca o sino, tal como faz desde 1920, para dar o sinal de saída.
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