Opinião

Confortável no Conforto 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 4 meses atrás em 03-08-2024

Repudio veementemente a recente reputação do conceito de ‘conforto’.  Atualmente, haverá poucos substantivos que sejam alvo de uma propaganda tão vil  quanto a que repetidamente é perpetrada contra o pobre do ‘conforto’, condição  tão ambicionada no passado e tão desprezada no presente. 

“Tens de sair da tua zona de conforto!”; “Procura fugir do que é confortável!”; ou  mesmo “Abraça o desconforto!” são alguns dos conselhos que corporizam a  filosofia da moda, papagueada pelos novos filósofos, os filósofos da pós modernidade, gente de fala larga e vista estreita, para quem, paradoxalmente, a  perseguição do sucesso – seja ele decretado pela quantidade de dinheiro  acumulado, de fama granjeada ou de conquistas sexuais – é bússola condutora das  suas inspiradoras vidas. 

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Por norma, essas vidas apresentam-se por via dos ecrãs, em formato de rede social,  contadas pelos incontáveis testemunhos motivacionais, todos eles legendados e  enfeitados com uma melodia capaz de eriçar os pêlos dos braços, roubada de  recordistas de bilheteira como o Titanic ou o Gladiador.  

Ali, com as luzes apontadas ao rosto, os gurus do sucesso, quais profetas ungidos  pelo sagrado divino, dedicados à missão de espalhar a sua própria Palavra,  disseminam receitas universais que ditam o que devemos comer, fazer, vestir ou  até pensar… sempre “fora da nossa zona de conforto”. 

São já muitos e tendem a multiplicar-se, reproduzindo a homogeneidade de pensamento repetida pelo séquito digital: o conforto é mau e o desconforto é  espetacular, um verdadeiro caminho para o paraíso do sucesso. 

Conforto? Blhec!! 

Desconforto? Uau!! 

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A filosofia é de fácil compreensão, acolhida por crianças, jovens e adultos pouco  letrados, e aumenta, de ano para ano, o alcance das suas ramificações, ainda que não se arrisque a medidas mais complexas do que o velho slogan anglo-saxónico  “No pain, no gain!” – em bom português, “Sem sofrimento, não há proveitos!”. 

Na fase subsequente, já interiorizado o virtuosismo do desconforto, o  guru/influencer/filósofo/profeta – qualquer que seja o papel assumido na praga  messiânica que vende palavras açucaradas enquanto promete a cura para a  diabetes – difunde, junto dos apóstolos, a solução milagrosa… porque, afinal, o  “desconforto” que havia recomendado não serve: “Estás o quê… desconfortável!? 

Isso é só um mindset… Tens de arranjar ferramentas para gerir essa raiva e  frustração. Esquece que estás aí, nesse lugar que te parece desconfortável! Tenta,  antes, imaginar-te num bom spot, assim, tipo, numa praia paradísica, tranquila,  pacifica e… confortável”. 

“Então, damos aquelas voltas todas para, estando num sítio desconfortável, nos  sentirmos no mais confortável dos lugares!? Para que serve a busca do  desconforto, no fim de contas?” – pergunto-me eu, confuso, mas amplamente  relaxado, refastelado, confortável no epicentro do conforto que tanto prezo. 

Atenção: não que eu não encontre méritos na promoção do esforço, do sacrifício,  do trabalho e do compromisso. Acredito até que o espírito de perseguição é  indissociável da condição humana, e que, mais do que perseguir a felicidade, o foco  deve centrar-se em descobrir a felicidade na perseguição. Até aqui tudo bem…  

Contudo, perante o descrédito a que o substantivo tem sido sujeito, sinto-me na  obrigação de sair em defesa do mal-amado “conforto”.  

Reflitamos com algum discernimento e honestidade e chegaremos à conclusão de que o conforto não é só bom, é ótimo, melhor do que ótimo… o conforto consegue,  de facto, ser verdadeiramente confortável, uma das melhores sensações que o ser  humano pode experimentar. Já o desconforto, por outro lado, é, na maioria das  vezes, bastante desconfortável, um sentimento que só toleramos porque, no nosso  horizonte, encontra-se algures a perspetiva do bem-bom. 

Por isso, recomenda-nos a razão e o bom senso que desfrutemos da comodidade  do conforto… pelo menos, enquanto não chega alguma coisa desconfortável que  venha perturbar esta divina regalia.

OPINIÃO I BERNARDO NETO PARRA

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