Opinião
Como resistir às irresistíveis?
Se as Férias falassem e se, por alguma coincidência cósmica, se cruzassem comigo na rua, dir-me-iam, em tom despeitado: “Então, pá, o que é feito? Ainda não te vi este ano… anda tudo bem contigo?”.
Explicar-lhes-ia que não tenho nada contra elas, que o nosso desencontro não resulta de qualquer espécie de má vontade da minha parte e que só ainda não nos encontrámos devido a algumas vicissitudes profissionais, fatores circunstanciais que me impedem de com elas conviver alegremente neste período de Verão.
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Conhecendo-as, contudo, suspeito que não aceitariam os meus argumentos sem antes tentarem convencer-me das suas virtudes: “E não queres incluir-nos no meio da tua agenda de trabalho? Devias tentar… bem sabes como somos divertidas”. Altivas e presunçosas, as Férias descrever-me-iam os tentadores programas de lazer que sabem proporcionar, recordando-me de verões anteriores, obrigando-me a relembrar velhos e animados serões com amigos, quando todos estávamos ainda longe de obrigações laborais e o único ofício do dia era a comunhão do ócio, fosse ele aquecido por banhos de sol ou refrescado por copos noturnos.
Em resposta, dir-lhes-ia que não estou com disposição para programas que exijam muita genica e que a euforia das discotecas algarvias ou a confusão das praias da moda já não me suscitam o encanto de antigamente. Tentaria explicar-lhes que, por esta altura, a minha idealização de férias está mais próxima do sossego dos montes alentejanos, no chamado turismo rural, onde os decibéis se encontram em níveis mínimos, permitindo me leituras sonolentas e sestas reparadoras.
Porém, acho que seria pior a emenda que o soneto… Conscientes da pluralidade dos seus atributos, as Férias voltariam, com certeza, ao ataque: “Queres descanso, então?! Também temos disso, como sabes! Vai lá ao Booking e procura um sítio calmo e soalheiro onde nos possamos encontrar e namorar durante uma semana inteirinha. Aliás, nem precisamos de uma semana… basta tirares 3 ou 4 dias e já dá para matarmos saudades”, diriam elas, num sussurro ao meu ouvido, com a persuasão própria das sedutoras experientes.
Admito: não seria fácil resistir a tão tentador namoro. É possível que o meu imaginário vacilasse por breves momentos, levando-me a um paraíso de descanso e lazer, um Olimpo de bem-estar onde, entre as nuvens, pudesse repousar, servido por anjos e acarinhado por ninfas, refastelado num bordel de dolce far niente em que as obrigações e responsabilidades que me enchem a mente tivessem acesso absolutamente proibido…
por breves momentos, apenas, já que rapidamente a realidade viria para me poisar os pés na Terra.
Pois é… tenho muita coisa para fazer antes que possa ceder à atração fatal daquelas sedutoras e irresistíveis Férias. Antes disso, terei ainda muitos convívios com outra parceira – menos vistosa, certamente – uma agenda repleta de Word, Excel e Outlook, que, durante uns bons meses, continuará a obrigar-me a ser acordado pelo despertador e adormecido pelo cansaço.
Todavia, aqui ou ali, permito-me sonhar com as irresistíveis Férias, admirando o ócio alheio apresentado em centenas de momentos ‘instagramáveis’, planeando o momento em que serei eu a levá-las a jantar, em que serei eu a tomar conta delas e a tratá-las com o carinho que poucos conseguem oferecer-lhes.
E enquanto isso não acontece, tentarei provocá-las, alimentar-lhes a expetativa do momento em que finalmente nos encontrarmos, ciente de que, então, terei o mais desejado encontro: “Ó belo objeto do meu desejo, não te canses muito com essa gente com que te tens entretido. Reserva alguma energia e espera por mim. Prometo que, quando te apanhar, não te vou dar descanso”.
E, como em qualquer encontro há muito esperado, há de ser tão bom…
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