Opinião

Como resistir às irresistíveis? 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 4 meses atrás em 16-08-2024

Se as Férias falassem e se, por alguma coincidência cósmica, se cruzassem comigo na  rua, dir-me-iam, em tom despeitado: “Então, pá, o que é feito? Ainda não te vi este ano…  anda tudo bem contigo?”. 

Explicar-lhes-ia que não tenho nada contra elas, que o nosso desencontro não resulta de  qualquer espécie de má vontade da minha parte e que só ainda não nos encontrámos  devido a algumas vicissitudes profissionais, fatores circunstanciais que me impedem de  com elas conviver alegremente neste período de Verão. 

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Conhecendo-as, contudo, suspeito que não aceitariam os meus argumentos sem antes  tentarem convencer-me das suas virtudes: “E não queres incluir-nos no meio da tua  agenda de trabalho? Devias tentar… bem sabes como somos divertidas”. Altivas e  presunçosas, as Férias descrever-me-iam os tentadores programas de lazer que sabem  proporcionar, recordando-me de verões anteriores, obrigando-me a relembrar velhos e  animados serões com amigos, quando todos estávamos ainda longe de obrigações  laborais e o único ofício do dia era a comunhão do ócio, fosse ele aquecido por banhos de  sol ou refrescado por copos noturnos. 

Em resposta, dir-lhes-ia que não estou com disposição para programas que exijam muita  genica e que a euforia das discotecas algarvias ou a confusão das praias da moda já não  me suscitam o encanto de antigamente. Tentaria explicar-lhes que, por esta altura, a  minha idealização de férias está mais próxima do sossego dos montes alentejanos, no  chamado turismo rural, onde os decibéis se encontram em níveis mínimos, permitindo me leituras sonolentas e sestas reparadoras. 

Porém, acho que seria pior a emenda que o soneto… Conscientes da pluralidade dos seus  atributos, as Férias voltariam, com certeza, ao ataque: “Queres descanso, então?!  Também temos disso, como sabes! Vai lá ao Booking e procura um sítio calmo e soalheiro  onde nos possamos encontrar e namorar durante uma semana inteirinha. Aliás, nem  precisamos de uma semana… basta tirares 3 ou 4 dias e já dá para matarmos saudades”,  diriam elas, num sussurro ao meu ouvido, com a persuasão própria das sedutoras experientes. 

Admito: não seria fácil resistir a tão tentador namoro. É possível que o meu imaginário  vacilasse por breves momentos, levando-me a um paraíso de descanso e lazer, um  Olimpo de bem-estar onde, entre as nuvens, pudesse repousar, servido por anjos e  acarinhado por ninfas, refastelado num bordel de dolce far niente em que as obrigações  e responsabilidades que me enchem a mente tivessem acesso absolutamente proibido… 

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por breves momentos, apenas, já que rapidamente a realidade viria para me poisar os pés na Terra. 

Pois é… tenho muita coisa para fazer antes que possa ceder à atração fatal daquelas  sedutoras e irresistíveis Férias. Antes disso, terei ainda muitos convívios com outra  parceira – menos vistosa, certamente – uma agenda repleta de Word, Excel e Outlook,  que, durante uns bons meses, continuará a obrigar-me a ser acordado pelo despertador  e adormecido pelo cansaço. 

Todavia, aqui ou ali, permito-me sonhar com as irresistíveis Férias, admirando o ócio  alheio apresentado em centenas de momentos ‘instagramáveis’, planeando o momento  em que serei eu a levá-las a jantar, em que serei eu a tomar conta delas e a tratá-las com  o carinho que poucos conseguem oferecer-lhes. 

E enquanto isso não acontece, tentarei provocá-las, alimentar-lhes a expetativa do  momento em que finalmente nos encontrarmos, ciente de que, então, terei o mais  desejado encontro: “Ó belo objeto do meu desejo, não te canses muito com essa gente  com que te tens entretido. Reserva alguma energia e espera por mim. Prometo que,  quando te apanhar, não te vou dar descanso”. 

E, como em qualquer encontro há muito esperado, há de ser tão bom…

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