Politécnico

Como a ‘menina’ erva-das-pampas “estava quieta” e se tornou uma ameaça

Notícias de Coimbra com Lusa | 6 minutos atrás em 02-11-2024

A erva-das-pampas é uma espécie vegetal feminina tendo, por acidente da Natureza, passado a produzir sementes e assumido uma condição masculina, que concorre para a sua disseminação descontrolada, explicou uma bióloga especialista em plantas invasoras.

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“Há umas meninas e uns meninos, e os meninos têm um pólen extremamente alergénico”, disse à agência Lusa Hélia Marchante, professora da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC) e especialista em plantas infestantes.

Explicitou que aquando da introdução em Portugal da erva-das-pampas – o que deverá ter sucedido há cerca de duas décadas, supostamente através de um porto comercial no norte do país, quando era comercializada como ornamental para jardins – estas plantas eram femininas, isto é, não possuíam estruturas reprodutoras masculinas, pelo que não largavam pólen.

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Hélia Marchante contou que, durante muito tempo, nos EUA, “existiu um monopólio de um viveiro gigante, que vendia para todo o mundo só as femininas, que eram as mais atrativas e mais bonitas”.

“Depois, por acidente, entraram sementes que ao germinar resultaram nas outras, que são hermafroditas [têm estruturas reprodutoras de ambos os géneros], mas que chamamos de masculinas, para simplificar a explicação”, disse a professora da ESAC.

Ou seja, quando chegaram os homens, começou o problema? “As femininas sozinhas estavam quietas, quando as outras chegaram estragou-se tudo”, acedeu, com uma gargalhada, Hélia Marchante.

A diferença entre o género das plantas não é fácil de perceber para um leigo e, perante a reportagem da Lusa, a especialista frisou que as femininas “têm uma espécie de pelinhos em redor das flores e as masculinas são mais lisinhas”.

Quando estão a florir, o que sucede a partir de finais de agosto, as masculinas têm uns apêndices amarelos (as anteras, onde se concentra o pólen) pendurados para fora da flor, sendo mais fáceis de distinguir nessa altura e especialmente em plantas mais jovens.

Com milhões de leves e minúsculas sementes, a sua dispersão é, maioritariamente, provocada pelo vento.

“O vento, se for preciso, faz tudo sozinho, esta espécie tem o caminho muito facilitado”, notou, mas o problema também tem intervenção humana.

Hélia Marchante argumentou com a “competição” entre espécies vegetais, que faz com que a erva-das-pampas encontre terreno fértil de disseminação nas bermas das estradas que foram limpas de vegetação, o que acontece menos em pinhais, carvalhais ou eucaliptais, onde as sementes competem com as árvores que ali se localizam e ocupam o terreno.

“Quando limpamos os terrenos, ajudamos as invasoras todas a instalarem-se”, vincou.

Depois, há ainda a problemática da biossegurança, um conceito que, em Portugal, “praticamente não existe”, observou Hélia Marchante.  

“Parece um palavrão, mas, se o quisermos simplificar, trata-se, tão só, de limpeza. Eu estou aqui a falar com vocês, uma semente destas [da erva-das-pampas] fica agarrada a mim e, quando chegar à escola, transportei a espécie para lá”, ilustrou.

O caso é mais grave, continuou, em empresas que fazem a limpeza das bermas de estradas ou dos espaços verdes nas cidades.

“As roçadoras, os corta-relvas, as máquinas de corte vertical são um susto. Chega-se a um parque de máquinas de uma dessas empresas e aquilo é um mini-ecossistema agarrado às máquinas. Por não haver limpeza e desinfeção, transportam-se partículas minúsculas e esporos que não se veem de um lado para o outro”, argumentou Hélia Marchante.

Embora os investigadores estejam já a trabalhar com algumas entidades em Portugal para estabelecerem protocolos de biossegurança, o problema estende-se, por exemplo, ao meio aquático, nomeadamente em rios, onde meras atividades de lazer, como a prática de canoagem ou de pesca desportiva, podem constituir uma ameaça à disseminação de plantas aquáticas “muito mais graves do que a erva-das-pampas”.

“A falta de boas práticas de limpeza e desinfeção, seja de um caiaque ou de uma cana de um pescador, pode estar a transportar estas espécies para outros locais onde antes não existiam”, alertou.

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