Opinião

Coitadinhos dos rufias

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 4 meses atrás em 21-07-2024

Eu nunca dispararia aquele tiro que acertou (de raspão) em Donald Trump. Nem sou o tipo de pessoa capaz de desejar que as suas consequências tivessem sido letais. Mas – e admito que a introdução de uma conjunção adversativa neste ponto é, em si mesmo, um programa – não consigo ficar calado perante os apelos à paz e à concórdia de quem nada mais tem feito na sua vida política a não ser semear ódio.

Chamemos-lhe um problema de reputação. Se, de um momento para o outro, Greta Thunberg passasse a defender a aposta em veículos de combustão, todos nos questionaríamos que vantagem particular a teria levado a essa mudança. O mesmo se passa com Trump: é muito difícil acreditar que o tom conciliador do seu discurso na Convenção Republicana seja mais do que uma estratégia, sobretudo quando nem durante a hora que ele durou o ex-presidente dos Estados Unidos conseguiu evitar a mentira e a raiva.

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Bem sei que a política se rege pelas regras da política e mudar de opinião – que pode, em si mesmo, ser um sinal de inteligência e de abertura ao outro – é algo muito frequente. Basta olhar para o candidato a vice-presidente agora anunciado pelo Partido Republicano, que chegou a apelidar Trump de «Hitler da América», com propostas «imorais e absurdas»… Mas é preciso ser muito ingénuo para acreditar que uma personalidade que se tornou na figura que é hoje em dia por semear violência, sem qualquer sinal de arrependimento, se tornou subitamente seu crítico.

Perante os pedidos recentes de pacificação por parte de Trump e sua trupe, os agravos, os embargos, as súplicas em torno da ideia de pacificação (parecia escutar-se em fundo “Kumbaya”, naturalmente usado de forma tão errada quanto “Born in the USA” o foi em comícios da primeira aparição trumpista) uma frase não saiu da minha cabeça: «Há pessoas boas dos dois lados». Foi dita pelo próprio, em 2017, no contexto dos protestos de supremacistas brancos em Charlottesville, durante os quais um neonazi conduziu o seu carro contra uma multidão de contramanifestantes, na sua maioria negros.

Poderá o facto de ter sido vítima dessa mesma violência alterado a sua perceção? Em teoria, sim. Mas não se enterra a retórica inflamada de forma convincente sem contrição. É fácil traçar um paralelo com o proverbial lobo em pele de cordeiro, quando assistimos à transformação repentina de um incendiário verbal num conciliador messiânica. Não é epifania, é cinismo.

Por isso, os pedidos de Trump por união obrigam a manter a memória das suas palavras e ações passadas. O ceticismo não é apenas apropriado, mas indispensável, e a separação de águas entre os oportunistas do pacifismo e aqueles que sempre o defenderam é a única estratégia de sobrevivência possível. Até porque lobos é algo que não falta por aí.

OPINIÃO I PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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