Cinema
Coimbra: Regras de apoio empurram festivais de cinema para os principais centros urbanos
Os critérios de atribuição de apoios a festivais de cinema favorecem eventos localizados nas principais cidades do país, concluiu uma tese realizada em Coimbra, que assinala que os festivais não “têm servido para colmatar a falta de oferta de cinema em regiões dele carenciadas”.
A Lei do Cinema, publicada em 2012, falava da “necessidade de ampla fruição das obras cinematográficas nacionais pelo público, em especial nas localidades com menor acesso a salas de cinema”, mas, na prática, houve um “agravamento das assimetrias regionais na distribuição dos apoios públicos a este tipo de exibição”, concluiu a tese de doutoramento de Tânia Leão, realizada na Universidade de Coimbra, intitulada “Públicos de festivais de cinema em Portugal: Um estudo comparado”.
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Segundo as conclusões da tese, em Portugal, “não só os festivais contemporâneos não têm servido para colmatar a falta de oferta de cinema em regiões dele carenciadas, como os regulamentos para a obtenção de apoio incentivam a profissionalização, a institucionalização e a padronização do formato festival, deixando pouco espaço para a independência, o arrojo ou a inovação”.
Em declarações à agência Lusa, a autora da tese salienta que a criação, em 2003, de um subprograma de apoio à realização de festivais de cinema nacionais “foi um passo decisivo no sentido de uma maior profissionalização e institucionalização destas iniciativas”. Contudo, os critérios para a atribuição de apoios “penalizam as iniciativas mais precárias”.
Apesar de não acreditar que tenha sido intencional, um dos efeitos das novas regras de atribuição de financiamento público foi o de empurrar as iniciativas “para os principais centros urbanos”.
Numa consulta aos apoios atribuídos pelo Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) para festivais de cinema em 2017, fica clara essa observação, quando Lisboa e Porto recebem quase 90% dos fundos disponíveis.
“O conjunto de exigências procura garantir a transparência dos apoios e a durabilidade das iniciativas apoiadas, mas torna-se inacessível a entidades mais pequenas, mais recentes e precárias. E sabe-se que é nos principais polos urbanos do país que estão concentrados os equipamentos culturais, os acessos, as pessoas, no fundo, os elementos contemplados nos critérios de atribuição dos apoios. Daí o apoio acabar por ser assimétrico. É quase inevitável que assim seja”, nota.
De acordo com a autora da tese, a sua investigação “permitiu concluir que é fora dos grandes centros urbanos que iniciativas deste tipo [festivais de cinema] podem, efetivamente, alargar os horizontes de expectativas das populações – não tanto em cidades onde a escassez de oferta cultural não é um problema”.
A tese, que, para além de analisar o panorama nacional, apresenta dois casos de estudo – IndieLisboa e o Curtas de Vila do Conde -, nota que os festivais encontram-se numa espécie de “encruzilhada” face ao contexto “de elevada institucionalização”.
“O perigo que existe é a crescente ludificação da sociedade, a ‘eventização’ da oferta cultural, a sua estandardização e espetacularização, o que cria obstáculos à prossecução de políticas culturais coesas e sustentáveis”, sublinha.
Os dois festivais analisados, referiu, estão nessa “encruzilhada” ainda que de formas diferentes.
No entanto, nos dois, é claro o “esforço permanente” para se manterem atualizados face à produção cinematográfica ao mesmo tempo que pretendem incluir novidades, manterem-se “atrativos e pertinentes”, atraírem investimento e novos públicos.
“Nesse esforço, o equilíbrio entre a manutenção da desejável autonomia e a cedência a pressões do mercado, políticas e outras, é sempre complexo e precário”, notou.
Para Tânia Leão, “o poder transformador que os festivais possam ter nas apetências das populações para o consumo cultural depende de três aspetos: o contexto territorial, a longevidade e a capacidade de envolver a população local”.
O Curtas de Vila do Conde acaba por ser “exemplar” nesse aspeto, ao desenvolver-se numa cidade periférica onde vários jovens, hoje adultos, cresceram “com aquela referência cultural e desenvolveram uma sensibilidade, que, de outra forma, seria improvável naquele contexto”.
Dessa forma, o potencial de democratização cultural nos festivais de cinema existe, sendo que para ser explorado ao máximo “seria interessante investir de forma séria na possibilidade de descentralização destas iniciativas”.
No estudo, constatou ainda que as condições gerais de trabalho associadas aos festivais analisados são precárias, considerando que o recurso “a trabalho não remunerado ou mal pago apenas contribui para eternizar a desvalorização social da cultura”.
“Ao fazê-lo, legitima a escassez de financiamento, público e privado, para as atividades culturais, e justifica a não criação de postos de trabalho remunerados. Este é um paradoxo que muitos agentes culturais, na sua luta quotidiana pela subsistência, se recusam a compreender”, frisou.
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