Cidade
Coimbra foi berço das trovas contra a ditadura
Berço de canções essenciais da resistência antifascista, Coimbra fomentou uma criatividade poética e musical que foi determinante na consciencialização política que levou ao 25 de Abril.
Na década de 1960, algumas baladas, interpretadas por José (Zeca) Afonso e Adriano Correia de Oliveira, encetaram a renovação da música de Coimbra e tornaram-se símbolos da luta pela liberdade.
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É o caso de “Os vampiros” e “Trova do vento que passa”, imortalizadas por Zeca e Adriano, que protagonizaram “um momento único de viragem histórica” no combate contra a ditadura, afirmou o poeta Manuel Alegre à agência Lusa.
“Era uma cultura incomparável a desses tempos de Coimbra”, recordou o autor da letra da “Trova do vento que passa”, cuja música foi composta por António Portugal.
A nova canção estudantil, que integrou ainda Luís Goes, António Bernardino, José Manuel dos Santos e Mário Soares da Veiga, “teve uma importância muito grande na própria renovação da música ligeira” portuguesa.
“Isso depois repercutiu-se em todo o país”, segundo Manuel Alegre, em cuja opinião estas baladas “tiveram também a virtude de levar a poesia mais longe”.
Atualmente, “todos os fadistas de Lisboa cantam os poetas, mas isso começou em Coimbra”, há 50 anos, disse.
Amália Rodrigues “também cantou versos [de Manuel Alegre] antes do 25 de Abril”, musicados por Alain Oulman, sendo disso exemplo “Meu amor é marinheiro” e “Trova do vento que passa”, numa nova versão.
A partir da Crise Académica de 1962, que eclodiu em Lisboa e alastrou a Coimbra, a música de protesto da cidade do Mondego “começou a estar ligada às lutas” estudantis.
Alegre evidencia o papel das repúblicas nas lutas académicas e enquanto espaços igualmente propícios às novas tendências da música coimbrã, além da importância de António Portugal, “que também começou a mudar a guitarra”, e de Rui Pato, que tinha 16 anos quando, em 1961, começou a acompanhar Zeca Afonso à viola.
“As canções tiveram uma grande importância no despertar de uma consciência anticolonial. Muitas delas, antes de serem gravadas, eram cantadas nas repúblicas”, adiantou.
As primeiras canções de intervenção “foram as do Zeca Afonso e depois as do Adriano, comigo a acompanhar” em concertos e gravações, afirmou Rui Pato à Lusa.
“Estive nos ‘Vampiros’, como na ‘Trova do vento que passa’. Esses momentos partem de Coimbra e são as primeiras canções de luta”, disse.
As baladas de cariz político, referiu Pato, “ajudaram a unir as pessoas para uma consciencialização e como arma de protesto” contra o regime de Salazar e Caetano.
Os discos de Zeca Afonso eram ouvidos “nos acampamentos dos soldados portugueses” nas guerras de África, sublinhou Rui Pato.
Em plena Crise Académica de 1969, que teve epicentro em Coimbra, o pneumologista estava a cumprir a tropa em Santarém, onde travou amizade com o tenente Salgueiro Maia.
O futuro capitão de Abril, “sempre que estava de serviço”, pedia a Rui Pato e a um companheiro para irem “tocar temas do Zeca no quarto do oficial de dia”.
“A importância da canção de Coimbra foi imensa porque despertou consciências”, corroborou Jorge Cravo, autor de várias obras sobre este género musical.
Envergando as capas negras, os estudantes conseguiam iludir a PIDE, numa altura em que a polícia política já tinha debaixo de olho trovadores como Adriano e Zeca.
“No meio de uma serenata, surgiam os temas de intervenção”, disse Jorge Cravo.
Há 40 anos, o Movimento das Forças Armadas escolheu como senhas da revolução as canções “E depois do adeus” e “Grândola, vila morena”, interpretadas por Paulo de Carvalho e por José Afonso, respetivamente.
Os seus autores são José Niza e José Afonso, antigos estudantes ligados às repúblicas de Coimbra.
Se Niza habitou a República Baco, o músico José Mário Branco integrou a República dos Kágados, antes de ser preso pela PIDE.
Numa emotiva “Carta ao Zeca”, José Mário Branco evoca o seu contributo para o 25 de Abril: “Vieste de menino de oiro pela mão / Acordar a madrugada / E fez mais às vezes uma só canção / Do que muita panfletada”.
“Vestiste a capa de caloiro coimbrão / Para ultrapassar o fado”, enaltece o autor de “A cantiga é uma arma”, numa alusão ao mérito de José Afonso na renovação da música de Coimbra.
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