Portugal
Cobrador reza 50 vezes para evitar as balas no centro de Moçambique
Um cobrador de transportes de passageiros na rota entre Maputo e Tete tem uma receita para o proteger dos ataques que eclodiram desde agosto no centro de Moçambique: rezar 50 vezes.
Conta à Lusa, sob anonimato, que antes de viajar é necessário “fazer 50 orações” e ainda assim viaja “com o coração na mão” ao pensar que vai passar na zona onde as províncias de Sofala e Manica se tocam e grupos armados voltaram a disparar indiscriminadamente sobre viaturas.
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O local de violência fica no meio dos 1.500 quilómetros que separam a capital moçambicana de Tete, interior oeste.
Segundo o cobrador, há menos passageiros e alguns transportadores já encostaram as viaturas.
Ali ao lado, no terminal da Junta, em Maputo, Armando Munguambe, 42 anos, pica os bilhetes na mesma rota.
Tem no transporte de passageiros o seu “único ganha pão” há 15 anos e, hoje, como já aconteceu antes, mais que pelo seu sustento, teme pela sua vida.
Nunca foi um percurso fácil e houve sempre perigos, mas nada se iguala ao medo de ser alvejado.
É uma repetição do passado, num reduto dos guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), onde sempre houve confrontos com as forças armadas, mas que se julgavam sanados.
“Disseram que tem de haver paz, mas não vemos qual é a paz que existe porque nós, que andamos na estrada, temos grande risco de ser baleados. Eles não escolhem o carro a atingir”, diz Armando Munguambe
São ataques contra viaturas, civis e policiais, tendo já sido registados oitos óbitos, incluindo de dois agentes da polícia – um deles morto numa investida contra um posto.
“Eu tive sorte”, comentou Munguambe, recordando que há cinco anos teve de circular naquela zona integrado num grupo de viaturas protegido por escolta militar: “nunca atacaram a coluna onde eu estava”.
Estes cobradores e outros funcionários dos serviços de transporte dizem que o número de passageiros tem vindo a diminuir nas últimas semanas no terminal em Maputo, devido aos ataques que têm ocorrido, tendo em conta que parte considerável dos autocarros são obrigados a passar pela região de conflito para chegar às províncias do interior e Norte de Moçambique.
Cruz, motorista que também faz a rota Maputo-Tete, tem um autocarro de 49 lugares e normalmente sai do terminal com cerca de 30 pessoas, mas agora o número reduziu-se consideravelmente.
“Daqui só saio com 10, no máximo, e o resto vou completando pelo caminho”, conta à Lusa.
No percurso inverso, o cenário é o mesmo: da última vez que partiu de Tete trouxe mais encomendas que passageiros.
Em conversa com a Lusa, diz que “muita gente está assustada”, por isso “poucas pessoas viajam”.
Os que ainda o fazem são negociantes e dependem das viagens para sobreviver.
“Eu estou a suportar [o prejuízo] porque é o meu trabalho. Já pensei muitas vezes em não ir para lá, mas não tenho escolha, tenho família e lar por sustentar e sem trabalho isso fica difícil”, desabafou o transportador.
O comando-geral da polícia de Moçambique acusou na quarta-feira guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) de serem os autores de ataques, sem distinguir as divisões internas no maior partido da oposição, ou seja, os dissidentes comandados por Mariano Nhongo e os fiéis à liderança de Ossufo Momade.
No interior da Renamo, ambos já se distanciaram da violência armada.
Este mês, realizaram-se eleições no país, que deram uma vitória esmagadora ao partido governamental, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
A zona centro do país é um local de forte implantação do movimento e estes ataques são uma repetição do que sucedeu há cinco anos, também após umas eleições que não foram favoráveis à Renamo.
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