Coimbra
Citemor é um festival “frágil” à procura de recuperar os anos perdidos pela crise
O Citemor, em Montemor-o-Velho, arranca hoje a sua 40.ª edição, à procura de recuperar de cinco anos sem financiamento estrutural, com a consciência da fragilidade daquele que é considerado o mais antigo festival de teatro do país.
Desde 2013, que o Citemor se via sem um apoio estrutural por parte do Estado, passando este ano a ser contemplado com um financiamento bianual da Direção-Geral das Artes. Foram cinco anos a tentar sobreviver e em que o fim do festival sediado em Montemor-o-Velho, no distrito de Coimbra, chegou a estar em cima da mesa, conta à agência Lusa o diretor, Armando Valente.
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Valeram na altura o apoio, as cumplicidades locais e na região e, sobretudo, com “a comunidade artística”, face à aposta de longos anos nas produções próprias e residências de criação na vila, explanou.
Mesmo hoje com o financiamento garantido, ainda se sentem “as marcas desses cinco anos”, sublinha Armando Valente à Lusa, considerando que o festival regressou “quase à estaca zero”.
“Aos 40 anos, recomeçamos a partir do zero, tendo apenas um capital que resulta desta prática de trabalho continuado”, especialmente nos últimos 20 anos do festival, explica Armando Valente.
A história do Citemor, apesar de ir até 1978, conheceu as orientações que ainda hoje são válidas em 1992, data de início de trabalho da atual equipa.
“O festival, desde muito cedo, descobriu a sua vertente produtora e foi pioneiro num programa de residências de criação em Portugal”, diz à Lusa Armando Valente.
Evitando desenhar uma “caderneta de cromos” dos artistas que por lá passaram, o diretor salienta a importância, quer através das residências quer nas produções, para o festival ter um papel muito ativo “na afirmação de duas gerações de criadores, como para a consolidação de alguns percursos”.
A partir daí, a trajetória foi sempre “crescente”, apontando para o final dos anos de 1990 como um momento de “oportunidade perdida” para se garantir melhores condições de acolhimento e sala de ensaios, numa perspetiva de afirmação não só do festival, como de uma programação mais regular na vila.
Apesar disso, o festival continuou a crescer e, mesmo “com um desinvestimento gradual, já nos anos dos ‘Governos Sócrates’, isso não se sentiu” no Citemor.
Segundo Armando Valente, a quebra coincide com a entrada do Governo de Passos Coelho e com o ano de 2013 – em que se acentuaram os cortes no âmbito do chamado pacto da ‘troika’ -, quando o Citemor deixa de ter acesso ao financiamento anual.
“Pensámos em acabar com o festival”, reconhece, lembrando que a decisão lhe pareceu, a determinado momento, “incontornável”.
A relação afetiva entre festival e artistas permitiu no entanto a continuidade do Citemor.
Hoje, Armando Valente nota que esses anos levaram a “perdas consideráveis nas dinâmicas” da programação.
“Nesta edição, já retomamos as residências de criação e o festival aparece com um pouco mais de músculo e a coproduzir obras e a estrear obras de criadores. Há aqui uma recuperação”, constata Armando Valente à Lusa.
Considerando “todos os testes e provas” a que o Citemor já foi sujeito, a organização tem consciência da “fragilidade” daquilo que construíram.
“Devíamos já estar a pensar e a programar para 2020, 2021 e 2022. Não é estimulante para o projeto, condiciona o projeto e o contributo que pode dar”, comenta, referindo-se ao facto de ainda não o poderem fazer.
Apesar disso, para o futuro, o diretor do festival não sente medo, antes apreensão, por sentir que está “tudo em risco”, face à precariedade em que o festival ainda se organiza.
Porém, há também lugar para olhar com um certo otimismo em relação aos próximos anos, nem que seja pelo calo ganho nos últimos 20 anos, em que começaram a organizar o festival “com um orçamento de zero”.
“As nossas vacas estiveram sempre no osso. Nós sabemos que passos é que temos de dar para esta recuperação efetiva. Agora, há um retrocesso muito grande e tudo o que se perdeu demora muito tempo a reconquistar”, conclui.
O festival Citemor, de Montemor-o-Velho, que volta a estender-se a Coimbra e à Figueira da Foz, começa hoje e vai até 11 de agosto, contando com música de Ivo Dimchev, um regresso de Angélica Lidell e um trabalho do Teatro do Vestido sobre as salinas, entre outros espetáculos num evento que tem como tema “Memória e Esquecimento”.
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