Formação
Cientistas portugueses pelo mundo com regresso adiado
De uma ponta à outra do mundo há cientistas portugueses que estudam galáxias, doenças, escritos antigos e fogos florestais, uns com os olhos postos num possível regresso a Portugal, se melhores oportunidades surgirem, outros sem razões para tal.
Não se sabe ao certo quantos investigadores portugueses vivem e trabalham no estrangeiro. As estatísticas oficiais cingem-se ao número de bolseiros a desenvolverem projetos científicos temporariamente em instituições estrangeiras, não incluindo os cientistas que, por sua iniciativa, emigraram.
Em abril, de acordo com dados da Fundação para a Ciência e Tecnologia, principal entidade nacional que financia bolsas de formação científica, havia 184 bolseiros com planos de trabalho a decorrerem exclusivamente em laboratórios ou universidades fora de Portugal, a maioria no Reino Unido, a maioria com bolsas de doutoramento.
Num relatório preliminar de fevereiro, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) considerava “particularmente problemática” a falta de informação sobre os doutorados portugueses que trabalham no estrangeiro, propondo o seu registo numa base de dados.
Uma ronda pela plataforma digital GPS da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que coloca os investigadores portugueses no mapa e que totaliza mais de mil pessoas inscritas a título voluntário, permitiu descobrir que se faz ciência com cunho português em todos os continentes (com exceção da Antártida, mas onde Portugal já teve cientistas, na Estação Halley).
Em vésperas do Dia Nacional dos Cientistas, que se comemora na quarta-feira, a Lusa ‘deu uma volta ao mundo’ pela mão dos investigadores portugueses na diáspora, para perceber o que fazem, o que os motiva a trabalhar no estrangeiro e o que pensam, à distância, da ciência feita em Portugal pelos portugueses.
A opinião é consensual entre a dezena de investigadores contactados, dos Estados Unidos ou Chile à Austrália e Nova Zelândia, passando por Reino Unido, Suécia e Etiópia: os cientistas portugueses são tão bons como os demais, falta-lhes em Portugal oportunidades, trabalho mais bem pago e estável e o reconhecimento por parte das instituições.
David Sobral, astrofísico, está há dois anos e poucos meses no Reino Unido, onde fez o seu doutoramento e onde regressou depois de um contrato de investigador de cinco anos que lhe permitiu trabalhar na Faculdade de Ciências de Lisboa e no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
Mudou-se de ‘armas e bagagens’ para a Universidade de Lancaster, onde dá aulas e estuda a evolução de galáxias como a Via Láctea, devido “à inevitabilidade de ter de sair de Portugal mais tarde ou mais cedo”.
A falta de garantias de emprego levou-o a concorrer a um lugar na universidade britânica, que “estava a criar um novo grupo” de investigação. Ao fim de um mês, contrataram-no.
“A experiência tem sido fantástica”, assinala.
Voltar a Portugal, “num futuro mais ou menos longo”, só se for para “começar um projeto de raiz, apenas com pessoas com uma mentalidade aberta, ambiciosa e internacional”, afirma David Sobral.
Para o responsável pela descoberta da galáxia CR7, a mais brilhante dos primórdios do Universo, a ciência feita em Portugal pelos portugueses “é excelente”, apesar da “falta grave de reconhecimento e meritocracia dos mesmos”.
A investigadora e professora Graça Almeida, radicada nos Estados Unidos há 26 anos, também diz que a ciência ‘made in Portugal’ é “tão boa” como a “ciência feita nos melhores centros do mundo”.
Os portugueses, assevera, “são únicos na capacidade de resolver problemas, na persistência, na inovação, no ‘pensar fora da caixa'”.
A especialista em doenças genéticas como a hemofilia questiona como Portugal “paga para treinar cientistas” para depois “não os acolher” e “não integrar os conhecimentos adquiridos”.
Graça Almeida foi para a ‘terra do Tio Sam’ porque “queria muito fazer investigação” e sentia-se “frustrada com a falta de eficácia dos tratamentos” que Portugal dava aos doentes hemofílicos, em particular o Hospital de Santo António, no Porto, onde estava a cumprir o quarto ano de internato em imunoterapia.
Tentou, mas não conseguiu, voltar. As “oportunidades faltaram” e nos Estados Unidos “ofereceram emprego”.
“Nunca se diz nunca”, mas ao fim de 26 anos, quase tantos quantos os que viveu em Portugal, duvida que regresse ao país.
Apontando uma bússola em diferentes direções do mapa-mundo, é possível encontrar ainda investigadores como Pedro Antunes, perito em sistemas de informação e há cinco anos e meio na Nova Zelândia, ou Miguel Cruz, há 13 anos na Austrália, onde trabalha na modelação do comportamento de incêndios florestais mas de onde não pretende sair dadas as “muitas raízes estabelecidas”.
Respondendo a um convite do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, Isabel Boavida está há seis anos na Etiópia, onde coordena a unidade de línguas europeias modernas na Universidade de Adis Abeba.
Em mãos tem a anotação para uma edição bilingue de um opúsculo do cronista renascentista Damião de Góis sobre a Etiópia e um estudo sobre as representações da Etiópia na literatura africana.
O retorno a Portugal não tem data marcada, será “quando chegar a hora de sair”, muito embora o país africano seja um dos seus lugares de afeto.
Na Suécia, que “tem uma longa tradição de apoio à investigação científica”, Jorge Ruas criou o seu próprio grupo de investigação, no Instituto Karolinska, onde se debruça sobre doenças dos músculos dos ossos. À Lusa afirma perentório que “financiamento estável e robusto é fundamental para arriscar em projetos de longa duração” que podem acabar “em descobertas importantes”.
Andreia Pinho, a trabalhar na área do cancro há mais de seis anos em Sydney, na Austrália, onde “a família cresceu de dois para três”, com o nascimento de um filho, considera que “as oportunidades em Portugal ainda são escassas e muito dependentes da obtenção de fundos internacionais”, com os salários dos investigadores a serem “muito pouco competitivos”.
Mantém “o plano de regressar a Portugal”, apesar de também ter a nacionalidade australiana, mas, da ideia ao ato, tem de haver “uma oportunidade profissional” que lhe permita, a si e ao marido, “progredir na carreira e manter o estilo de vida” conquistado na Austrália.
“Seria ótimo ver uma iniciativa do Governo destinada a trazer investigadores portugueses conceituados e presentemente a trabalhar no estrangeiro de volta para Portugal”, desafia.
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