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 “Chamada para o Morto” de John Le Carré vai ser reeditado com introdução inédita do autor que morreu no sábado

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 17-12-2020
 

 O romance de estreia de John Le Carré, “Chamada para o Morto”, de 1961, vai ser publicado em março de 2021, com uma introdução do autor, escrita para assinalar os 60 anos da edição original, anunciaram hoje as Publicações D. Quixote.

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A nova edição portuguesa da primeira história do agente George Smiley é traduzida por José Teixeira de Aguiar, à semelhança de outros títulos do escritor a quem é atribuída a reinvenção do romance de espionagem, elevando-o à primeira linha da criação literária.

John Le Carré morreu no sábado passado, aos 89 anos, na Cornualha, em Inglaterra, onde morava.

“É através das páginas de ‘Chamada para o Morto’ que John Le Carré apresenta e dá a conhecer ao leitor esse inquietante e inesquecível personagem, George Smiley, sem dúvida alguma um dos mais carismáticos da história da literatura inglesa, e que viria, depois, a ser protagonista de várias outras famosas narrativas” do autor, escreve a editora, na apresentação desta edição.

Tal como aconteceu com grande parte da obra de Le Carré, também “Chamada para o Morto” foi adaptada ao cinema, sob o título “The Deadly Affair” (1996), numa realização de Sidney Lumet, estreada em Portugal em abril do ano seguinte, que tomou o nome “Duas Plateias para a Morte”, com as interpretações de James Mason, Maximilian Schell, Simone Signoret e Harriet Andersson.

Neste romance policial, a trama começa com o aparente suicídio do funcionário público Samuel Fennanm, mas Smiley (Charles Dobbs, no filme) percebe que Maston, o chefe do gabinete ‘Circus’, está a tentar culpabilizá-lo por essa morte, e inicia uma investigação por sua conta, procurando a viúva de Fennan para averiguar o que o teria levado a semelhante ato.

Nesse mesmo dia em que Smiley é afastado da investigação, recebe uma carta urgente do morto. Será que os alemães de Leste e os seus agentes sabem mais sobre a morte daquele homem do que o ‘Circus’ imaginava?, interroga-se na apresentação da obra.

John Le Carré era o pseudónimo literário de David Cornwell, nascido em 19 de outubro de 1931, em Poole, no litoral sul de Inglaterra.

O escritor estudou nas universidades de Berna e de Oxford, foi professor no colégio de Eton, antes de ser recrutado para os serviços secretos britânicos durante a Guerra Fria.

Em 1960 foi transferido para o MI6, o serviço de informações classificadas estrangeiras, tendo operado sob a capa de “segundo secretário” na embaixada britânica em Bona, cidade capital da antiga República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental).

Foi durante esse período que descobriu a paixão pela escrita, concluindo “Chamada para o Morto” em 1961 e, no ano seguinte, “Um Assassínio de Qualidade”.

Em 1964, publicou aquele que é considerado “um dos grandes romances de do século XX”, “O Espião que Saiu do Frio”, que definitivamente o lançou na carreira literária, passando a dedicar-se inteiramente à escrita.

Em 1979, a sua obra “A Toupeira” foi adaptada pela BBC TV, numa série de sete episódios, com Alec Guinness como protagonista.

A BBC adaptou posteriormente “A Gente de Smiley”, em 1982, também com Guinness no papel de Smiley.

“A Casa da Rússia”, “O Alfaiate do Panamá”, “O Fiel Jardineiro” e “A Toupeira” foram alguns dos seus romances adaptados ao grande ecrã.

Entre as suas derradeiras obras contam-se “Uma Verdade Incómoda”, em que fala do ‘jihadismo’, “Um Homem Muito Procurado”, com a perspetiva do Leste europeu posterior à queda do Muro de Berlim, “Um Traidor dos Nossos”, em que enfrenta a Mafia russa, e “Um Legado de Espiões”, em que retomou George Smiley, 27 anos após o jantar de homenagem que lhe dedicou em “O Peregrino Secreto”.

Em “Agente em Campo”, o seu derradeiro romances, de 2019, a última missão de um veterano dos serviços secretos permite-lhe abordar o Brexit – a que se opôs -, exprimir o desdém por Donald Trump e a preocupação com o recrudescimento de fascismos e populismos.

“Não é preciso ser velho para ficar zangado com o que se passou no mundo nos últimos anos”, disse numa conferência em Londres, quando publicou “Um Homem Muito Procurado”, em 2008, nos últimos dias da presidência de George W. Bush, ainda antes da eleição de Barack Obama e do colapso do banco de investimento Lehman Brothers, que precipitaria a crise global dos anos seguintes.

Em 2016, na obra de caráter autobiográfico “O Túnel de Pombos – Histórias da Minha Vida”, Le Carré recordou o seu trabalho nos Serviços Secretos, e uma carreira de escritor em que abordou os anos da Guerra Fria, mas também os que se seguiram, com a transfiguração a Leste, a Rússia da KGB e a Rússia dos oligarcas, a situação no Médio Oriente e o permanente confronto israelo-palestiniano, a invasão de Beirute, a desagregação do Camboja devastado pela guerra, sem esquecer África, a América Latina, as zonas de influência das grandes potências e dos impérios empresariais em afirmação, do tráfico de armas e de droga, à indústria farmacêutica.

“Quer esteja a descrever o papagaio de um hotel de Beirute, que imitava perfeitamente sons de batalha, ou a visitar as galerias de mortos sem sepultura no Ruanda, na sequência do genocídio, ou a celebrar a noite de Ano Novo com [o antigo líder palestiniano] Yasser Arafat, ou a entrevistar uma terrorista alemã na sua solitária prisão no Neguev, ou a assistir à preparação de Alec Guinness para papel de George Smiley, ou a descrever a funcionária da organização de ajuda humanitária que inspirou a personagem principal do seu ‘O Fiel Jardineiro’, Le Carré dota cada acontecimento de vivacidade e humor, ora fazendo-nos rir em voz alta, ora convidando-nos a pensar de novo sobre eventos e pessoas que acreditávamos perceber”, lê-se na apresentação de “O Túnel de Pombos”.

Vencedor da Medalha Goethe, da Alemanha, e do Prémio Olof Palme, da Suécia, pelo conjunto da obra, Le Carré mantém-se entre os 50 melhores escritores ingleses, da lista do jornal The Times.

No anúncio da morte, a agência literária do escritor, a Curtins Brown, qualificou-o como “um gigante incontestável da literatura britânica”.

“Detesto o telefone, não sei escrever à máquina, escrevo à mão. Vivo junto de um penhasco e odeio cidades. Três dias e três noites numa cidade são para mim o limite. Não vejo muitas pessoas. Escrevo, ando a pé, nado e bebo. Além de espiar, no meu tempo, também vendi toalhas, lavei um elefante, divorciei-me e fugi da escola”, disse o escritor numa rara entrevista no Reino Unido, quando da publicação do romance “Uma Verdade Incómoda”, em 2013.

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