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Caso BPP: Patinha Antão crítica tese da CMVM sobre falhas na informação aos clientes
O economista Mário Patinha Antão, que hoje testemunhou no julgamento do caso Privado Financeiras na qualidade de consultor técnico, considerou que a informação dada pelos gestores do veículo aos clientes era suficiente, contrariando a acusação do supervisor.
“A tese da CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] não está fundada corretamente”, afirmou Patinha Antão perante o coletivo de juízes liderado por Nuno Salpico.
Em causa estão as conclusões do relatório do supervisor, que é um dos elementos-chave da acusação do Ministério Público, de que houve violação das disposições do Código de Valores Mobiliários no âmbito da informação transmitida aos clientes por altura do aumento de capital da Privado Financeiras.
O professor universitário, que elaborou um relatório a pedido da defesa de João Rendeiro, fundador do Banco Privado Português (BPP) e um dos três arguidos acusados de burla qualificada neste processo-crime, contrariou a acusação.
A ausência da comunicação do NAV (situação líquida) do veículo de investimento do universo BPP, que apostava exclusivamente nas ações do Banco Comercial Português (BCP), durante três meses seguidos – janeiro, fevereiro e março de 2008 -, período durante o qual decorreu a operação de aumento de capital da Privado Financeiras, foi relativizada pela testemunha.
“Não concordo com a tese e a conclusão da CMVM”, reforçou.
Segundo Patinha Antão, “aquilo que foi apresentado aos investidores foi centrado no preço de subscrição [do aumento de capital] e nos price targets [preços alvo relativos aos títulos do BCP], bem como no risco de liquidação” do veículo de investimento.
“É aceitável e razoável”, considerou o economista, realçando por diversas vezes que o investimento em ações tem associado um “risco elevado”.
Para o responsável, “a decisão de ir ou não ao aumento de capital não depende só do NAV”.
E foi mais longe, ao considerar essa informação, de algum modo, secundária.
“Há coisas prioritárias [em termos de informação a prestar aos investidores] e outras que nem tanto”, vincou, acrescentando que neste tipo de decisões de investimento “é sempre possível dizer que a informação não está completa”.
“Não disse que [o NAV] era irrelevante, mas há informação nuclear que não podia não ser enviada. Os NAV no final do mês não só não são relevantes, como podem ser enganosos”, sublinhou.
“O que devia ser transmitido aos clientes era: se não forem ao aumento de capital do BCP, perdem automaticamente com a diluição das vossas posições”, afirmou.
Esta perda ascenderia a 10,5% no imediato, assinalou.
De acordo com o economista, “se não houvesse aumento de capital [da Privado Financeiras], o risco de liquidação [do veículo] era notório”, anotando que “à data do aumento de capital” era possível “pagar a todos os credores [JP Morgan e BPP Cayman]”.
Patinha Antão frisou ainda que, no seu entender, os procedimentos da Privado Financeiras “são perfeitamente em linha com veículos semelhantes”.
Já sobre a concentração do investimento unicamente em títulos do BCP foi considerada habitual pelo especialista neste tipo de veículos.
“Caso a Privado Financeiras tivesse investido num cabaz de ações do setor financeiro, o resultado seria semelhante”, vincou.
Apontando para a crise financeira mundial que surgiu em 2008, na sequência da queda do banco norte-americano Lehman Brothers, Patinha Antão destacou as fortes perdas dos títulos financeiros um pouco por todo o mundo.
Destacando as perdas de 9,6 mil milhões de euros e de 3,9 mil milhões de euros acumuladas pelo BCP e pelo Banco Espírito Santo (BES) em termos bolsistas, e acrescentando o Banco BPI, sem avançar valores sobre o último, o professor concluiu que a expressão da perda total da Privado Financeiras, fixada em 200 milhões de euros, no conjunto do sistema financeiro português, representou menos de 1% do total.
E salientou que, neste tipo de instrumentos de ‘private equity’ [capital de risco], “a boa prática financeira é fazer alavancagem, para ter acesso a retornos maiores”.
De resto, numa exposição inicial do seu depoimento, Patinha Antão tinha já indicado ao tribunal que, segundo os seus cálculos, a média de alavancagem de um veículo de investimento deste tipo está fixada nos 66% (capital alheio, através do recurso a financiamento bancário), enquanto os restantes 34% são capitais próprios.
“Com alavancagem, os investidores perderam 100% [do capital investido na Privado Financeiras]. Sem alavancagem, teriam perdido 97%”, destacou.
Os clientes da Privado Financeiras que têm testemunhado em tribunal afirmam, em geral, que estavam cientes do risco de perda total do capital aplicado neste veículo, mas garantem que foram enganados quanto à operação de aumento de capital da Privado Financeiras.
Dizem que foram convencidos a participar no aumento de capital da Privado Financeiras com o intuito de aumentar a participação do veículo no capital do BCP e diminuir o preço médio por ação em carteira, sem imaginar que parte da verba captada foi usada para abater créditos da própria Privado Financeiras junto da banca (JP Morgan e BPP Cayman).
No julgamento do caso Privado Financeiras, que arrancou em meados de fevereiro, os investidores deste veículo do universo BPP, entre os quais se destacam Francisco Pinto Balsemão, Stefano Saviotti e Joaquim Coimbra, alegam que foram lesados em mais de 40 milhões de euros.
Os arguidos, João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, antigos gestores do BPP, são acusados pelo Ministério Público de burla qualificada em coautoria.
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