Desporto
Campo das Traseiras na Figueira da Foz marca 40 anos de basquetebol de rua
O campo das Traseiras, na Figueira da Foz, agora requalificado, é um dos espaços de basquetebol de rua mais icónicos do país, tendo recebido, em quatro décadas, centenas de atletas, de ‘estrelas’ da modalidade a praticantes anónimos.
O campo, localizado no centro daquela cidade litoral do distrito de Coimbra, está intimamente ligado ao desenvolvimento do basquetebol na Figueira da Foz desde finais da década de 1970, também a partir da geração de atletas oriundos de Moçambique, integrantes da equipa que deu ao Ginásio Clube Figueirense (GCF) o título nacional e a Taça de Portugal em 1977 e o vice-campeonato em 78.
Luís Albuquerque, que os adeptos da modalidade conhecem por ‘Lita’, quatro vezes campeão nacional e duas vezes o melhor marcador português, recorda jogar no campo das Traseiras com a ‘nata’ do basquetebol nacional.
“Chegámos a ter lá quase o ‘cinco’ da seleção nacional, foi um período muito bonito. Quando acabava o campeonato e muitos vinham para a Figueira passar férias, juntávamo-nos ali ao final do dia, os de cá e os de fora, para fazer aqueles jogos”, lembra.
Lita, hoje com 58 anos, praticou basquetebol até aos 34, enquanto sénior em clubes como o GCF ou o Benfica, onde esteve por duas vezes. Residiu num dos prédios do bairro das Traseiras, para onde ia, sozinho ou em grupo, num campo sem marcações, onde não havia lances livres e todos os lançamentos valiam dois pontos.
“Na minha opinião, a Ticha [Penicheiro, que domingo é homenageada no campo requalificado] absorve um bocado de cada um de nós em tudo aquilo que joga. Quando era para escolher equipas, eu escolhia sempre a Ticha para o meu lado, engraçava com a miúda, já tinha aquele toque de bola. Ela tem o basquete das Traseiras, não é uma jogadora normal como as outras, tem o basquete daquelas brincadeiras que a gente fazia”, argumentou Luís Albuquerque.
O campo que começou por ser em terra batida, foi alcatroado e requalificado por ação da Câmara Municipal, em 1981, e a sua manutenção teve os contributos de dois moradores do bairro, ambos já falecidos: Borronha Gonçalo, um professor de Educação Física, ligado ao desporto escolar e à então Direção Geral dos Desportos, e Jorge Lobo, antigo presidente da Junta de São Julião.
Pedro Carvalhal, que nos últimos cinco anos, recuperou, com os filhos, o campo que estava ao abandono, recorda ter sido “captado” nas Traseiras para o basquetebol federado no GCF, ele e os amigos que com ele ali jogavam, na década de 1980.
Aos 52 anos, Pedro Carvalhal também lembra os “grandes craques nacionais” que por ali passaram e nota que essa apetência pelo campo das Traseiras “deve-se muito à geração de ouro do basquetebol da Figueira”, nomeando, entre outros, Eustácio [Dias] e Lita, “que ali moravam”, António de Almeida, Henrique Vieira, Samuel Carvalho ou Luís Magalhães.
“Quando eles jogavam, nós nem podíamos entrar em campo, o nível era altíssimo”, destacou Pedro Carvalhal.
Ao longo dos anos, outros jogadores de destaque nacional e internacional, a grande maioria oriunda da formação dos clubes da Figueira da Foz, passaram, invariavelmente, pelo campo de rua, como os irmãos Helder e Gil Seabra, Pedro Nuno, Rui Pedro Nazário, António Moreira, José Costa ou João Paulo Coelho, entre dezenas de outros.
O espaço chegava a concentrar mais de 100 jogadores, geralmente ao final da tarde, em jogos de ‘bota fora’ até aos 20 pontos, mas rapidamente, face ao enorme número de equipas à espera de jogar, passava a ser consagrada vencedora quem primeiro chegasse aos seis pontos.
“Hoje, para minha grande satisfação, são quatro, seis, dez equipas a jogar e passam ali a tarde toda. É uma adesão total, querem o desporto na sua essência e há quem prefira um jogo nas Traseiras, do que jogar num clube”, enfatiza Pedro Carvalhal.
Esses, os anónimos, que ficam conhecidos no basquetebol apenas entre amigos, são também uma ‘imagem de marca’ do basquetebol de rua na Figueira da Foz: há dias, António Maria Henriques (Tó Maria, um virtuoso das Traseiras) lembrava no Facebook os jogos “todos os dias, a seguir à praia” nos anos 80 e 90.
E todos recordam, igualmente, António Sotto Maior (mais conhecido por ‘Pinflim’) e o seu lançamento (que hoje seria de três pontos) com uma técnica muito própria, das laterais do campo, sempre à tabela e maioritariamente com sucesso.
Na varanda do prédio onde mora, Pedro Silva, ex-jogador de basquetebol da Naval 1º de Maio, sublinha o “privilégio” de residir com vista para o campo.
“Estou no terceiro anel, vejo o campo todo e vejo os miúdos a evoluir de um mês para o outro. E ver isto cheio de miúdos faz-me lembrar que, há 20 anos, era assim que estava. E devemos um grande ‘obrigado’ ao Pedro Carvalhal, por ter mantido isto nos últimos anos”, exclamou.
por José Luís Sousa, da agência Lusa
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