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“Caçadores de óbito” e os truques para matar a fome em Luanda à custa dos funerais

Notícias de Coimbra com Lusa | 3 anos atrás em 24-04-2022

A fome e o desemprego estão a transformar alguns moradores de Luanda em “caçadores de óbito”, cuja missão é estar à entrada de cemitérios e seguir familiares de falecidos até à residência onde são celebradas as cerimónias para aí se alimentarem.

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Guilherme Augusto Dias é um desses casos. Há três meses que anda a “caçar óbitos” na capital angolana, uma estratégia que passa por acompanhar cerimónias fúnebres de estranhos e depois comer na refeição oferecida pela família.

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O desempregado de 40 anos explica que a intenção também é dar algum conforto a quem perde uma pessa querida, é “chegar ao óbito e participar do mesmo”.

Em Angola, é prática tradicional, após a realização de um funeral, que a família do falecido ofereça uma refeição em sua homenagem, normalmente composta por ‘funge’ (papa de farinha de milho ou mandioca) e feijão de óleo de palma e onde todos, desde vizinhos a familiares e amigos, ou até desconhecidos podem comparecer.

Centenas de pessoas acorrem diariamente aos cemitérios de Luanda, umas para prestar homenagem aos mortos ou sepultar um parente, outras procurando uma forma de amenizar o estômago vazio.

Os conhecidos “caçadores de óbito” dizem que esse mecanismo constitui um escape para matar a fome e ultrapassar as dificuldades porque passam diariamente para se suster, uma prática em que muitos estão mergulhados há meses.

À entrada dos cemitérios da Santa Ana, municipal de Viana ou da Camama, em Luanda, estes, no meio de dezenas que acorrem aos campos-santos, são muitas vezes confundidos como parentes de falecidos.

Na semana passada, Guilherme Dias foi detido pela polícia porque foi confundido com manifestantes que se tinham concentrado no cemitério da Santa Ana.

“Isto acontece uma vez ou outra (procurar por óbitos), mas desta vez fui surpreendido, já faço isso há três meses e nunca tive problemas do género”, disse à Lusa no tribunal de Luanda, onde foi julgado e absolvido porque nada tinham a ver com o processo.

Guilherme Augusto Dias, que constou do grupo de ativistas absolvidos pelo Tribunal da Comarca de Luanda, após ser detido, no dia 08 de abril, na sequência da tentativa da realização de uma manifestação, ainda tem memória dos dias que esteve detido.

“Na primeira esquadra fomos colocados numa cela em más condições, passámos a noite no chão, não havia casa de banho para se fazer as necessidades, não havia água. Passámos assim a noite”, lamentou.

João Baptista Kifuta, 23 anos, o último dos quais dedicado à “caçar óbitos” conta que esperar por um funeral e depois seguir para a casa do ‘óbito’ é o meio que encontrou para poder se alimentar.

“Aconteceu é que eu estava na Santa Ana (cemitério) a espera de um funeral, que não faz parte da minha família, faço sempre isso. Mensalmente, duas ou três vezes vou lá a espera de um funeral para eu poder alimentar-me”, relatou à Lusa.

Segundo o jovem, que se encontra desempregado, esta é uma prática que junta muitas pessoas. “Também encontro (à porta dos cemitérios) outras pessoas com esta mesma intenção, estou nessa vida já há um ano”, salientou.

Detido nas mesmas circunstâncias, também este “caçador de óbitos” recordou os dias “muito maus” em que esteve pela primeira vez numa cela: “nunca passei nesse tipo de coisa só estava a chorar e na cela não tinha mesmo condições, não tinha água e nem comida. Estava a cheirar muito mal e foi a primeira vez que fui detido”.

Guilherme Augusto Dias e João Baptista Kifuta, “caçadores de óbito” recentemente “caçados” como manifestantes pela polícia angolana, foram devolvidos à liberdade, após serem absolvidos dos crimes de participação em motim e desobediência à ordem de dispersão.

Fazem parte do grupo 20 jovens ativistas absolvidos na passada semana pela Sétima Secção do Tribunal da Comarca de Luanda e que pretendiam manifestar-se contra a escolha da empresa Indra para gerir o processo eleitoral das eleições previstas para agosto e pela libertação dos presos políticos​​​​​​​.

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