Opinião
Brasil, País do Futuro
RICARDO CASTANHEIRA
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A(s) beleza(s) do Brasil reside(m) em muitos dos seus paradoxos. Alguns são incompreensíveis nos tempos atuais e outros tantos inalteráveis. Mas é assim a idiossincrasia do povo brasileiro: simples e excëntrico, autoritário e submisso, misciginado e racista…
As manifestacões populares que se têm sucedido e alastrado por todo o país são a prova mais evidente das contradições intrínsecas deste povo. O mote inicial foi um aumento de 20 centavos nos transportes públicos urbanos, mas rapidamente se observou que muitos (a maioria mesmo) dos manifestantes não usava os ditos meios de transporte e provinha de classes com alguma capacidade económica.
Estavam ali para protestar. Para estar contra. Muito mais que os 20 centavos. Tal como os que vairam Dilma no jogo inaugural da Copa. A quem aparentemente nada falta. Mas para quem, com certeza, crescer apenas 0,9% ao ano é inadmissível, ter das mais altas taxas de juros do mundo inaceitável e das maiores cargas tributárias globais um desaforo. Foram estes que vairam. Do lado de fora do estádio estavam outros que protestaram por razões distintas. Mas em comum, o grito de revolta.
Os governantes foram apanhados de surpresa. Dizem. Como é possível?.. Outro paradoxo. Os números estão aí para não deixar ninguém indiferente quanto mais desatento.
O Brasil é um dos raros países do mundo em que o voto é obrigatório. Ora, a vontade popular tem aqui (pelo menos…) uma expressão quantativa considerável. Curioso pensar que mesmo obrigados a votar fazem – regra geral – más escolhas ou opções em que se não reveëm. Basta levar em linha de conta o inenarrável rol de adjetivos com que brindam a respetiva classe política. Imagine-se se não existisse a obrigatoriedade do voto…
Os brasileiros gostam de se auto-retratar como gente indignada e que protesta muito. Porém, a viver aqui há dois anos tenho centenas de estórias para contar sobre a interminável paciëncia do povo brasileiro e a respetiva anestesia cívica.
O brasileiro – tal como nós portugueses – é considerado um povo de brandos costumes, porém as imagens repugnantes de depradação dos edifícios públicos, violëncia gratuita e destruição urbana em algumas das manifestações deixa-nos a pensar…
Mais paradoxos?..
O Brasil é um dos países emergentes com maior índice de analfabetismo, mas ao mesmo tempo um dos países do Mundo com maior taxa de penetração e utilizadores da internet. O Brasil é o único país do mundo que tem sistema de saúde público gratuito e universal e, ao mesmo tempo, os sistemas privados de saúde envolvem mais dinheiro que o Estado, porque ninguém confia no primeiro. O mesmo se aplica ao sistema educativo.
De acordo com dados oficiais, os negros, apesar de representarem 48% do total da população, são 16% da elite e 66% dos pobres. Os negros são dois terços dos
10% mais pobres do país e apenas um sexto do 1% da parte mais rica da população.
Assim, o Brasil, apesar dos avanços nos últimos anos no combate às desigualdades é ainda um país dual. Um país divido por questões económicas, de raça e de cor.
Outra potencial contradição (ou não) reside no fato de todos estes movimentos de contestação popular acontecerem quando o Mundo olha para o Brasil e aqui terão lugar os mais importantes eventos globais. Afinal, de uma vez por todas, o tal povo patriótico decidiu não esconder debaixo do tapete as misérias internas e viu no atual contexto uma excelente oportunidade para gerar efeitos e consequências. Assim os governantes saibam interpretar, ponderar e agir.
“Suave fracasso” na expressão de um ex-Ministro da Fazenda ou “País do Futuro” como escreveu com mestria Stefan Zweig? Acredito, não obstante, na segunda. Lá chegaremos paulatinamente, como tudo neste país. Com exceção no Carnaval quando tudo pára e se suspende. Até o futuro, só interessa o presente!..
RICARDO CASTANHEIRA
Advogado
Diretor de Assuntos Corporativos Microsoft Brasil
Escreve à terça-feira no Notícias de Coimbra
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