Coimbra
Bispo alerta para a tentação do “servidor da palavra de Deus pode cair na tentação de ser ministro do diabo”
O bispo de Belali, Carlos Moreira Azevedo, alerta que o “servidor da palavra de Deus pode cair na tentação de ser ministro do diabo” se, no seu discurso, “justificar injustiças e estimular ódios”.
PUBLICIDADE
O bispo, membro do Conselho Pontifício da Cultura, faz a afirmação na obra “Ministros do Diabo”, na qual publica seis sermões de autos de fé, proferidos por Afonso de Castelo Branco, bispo de Coimbra entre 1586 e 1595, que se encontravam no Arquivo Secreto do Vaticano.
Afonso Castelo Branco qualificava os judeus como “prelados e ministros do diabo porque servem a cobiça e a carne”, como escreveu em 1588. O investigador Carlos Moreira Azevedo, por seu turno, explica: “Jogo voluntariamente com a ambiguidade, reservando tal atributo aos pregadores destes rituais hediondos [os autos de fé]”.
“O abuso da palavra de Deus, posta ao serviço de uma causa antievangélica, pode bem denominar-se serviço diabólico, exatamente contrário da missão simbólica dos ministros de Deus, capaz de unir diversidade de experiências na proposta de salvação de todos, como Jesus”, escreve Carlos Moreira Azevedo.
“Quem deve ser servidor da palavra de Deus pode cair na tentação de ser ministro do diabo, recorrendo ao discurso, ainda que erudito, para justificar injustiças e estimular ódios, em vez de argumentar na defesa dos mais frágeis e pobres e de apelar autenticamente à misericórdia e ao perdão, à tolerância e convivência de diferentes visões de Deus e do mundo”, escreve o autor, professor na Universidade de Coimbra.
Os sermões publicados nesta obra, com a chancela editorial Temas e Debates, foram proferidos durante o reinado de Filipe I de Portugal, sob a gestão inquisitorial do arquiduque Alberto de Áustria, sobrinho do monarca coroado Filipe II de Espanha, e que desempenhou também funções como vice-rei de Portugal, acumulando assim a legacia papal com a administração política.
Nesta época, realça Moreira Azevedo, “foi bastante ausente de conflitos com outros poderes”. “A comunicação entre santo Ofício [Inquisição] e monarca estava facilitada”, sublinha o autor.
Carlos Azevedo chama a atenção para o período social em que estes sermões foram pregados, visando “converter um corpo estranho, assimilá-lo, [e] integrá-lo”, um tom que endureceu no século seguinte.
Nos textos de Afonso de Castelo Branco “prevalece ainda o apelo doutrinário”, afirma o investigador.
Criado em 1541, o tribunal inquisitorial da diocese de Coimbra foi restabelecido em 1565 e só abarca todo o seu território entre 1580 e 1593. Referindo-se a números da ação inquisitorial, Carlos Moreira Azevedo afirma que na diocese coimbrã de 1566 a 1605 “contam-se 2.376 presos”.
Na opinião do investigador, doutorado pela Faculdade de História Eclesiástica da Universidade Gregoriana, em Roma, a união das coroas de Espanha e Portugal, período abrangido, parcialmente, pelos sermões de Afonso de Castelo Branco, “correspondeu a uma consolidação dos mecanismos inquisitoriais, comportamento que aliás ocorreu em diversos níveis da governação”.
A obra “Ministros do Diabo” divide-se em duas partes: na primeira, Carlos Moreira Azevedo traça o perfil da Inquisição de 1536 a 1605, aborda os Autos de Fé, referindo a “encenação do processo” e aborda os seus sermões, questionando se se podem considerar “discursos de conversão”.
Nesta primeira parte faz uma breve biografia de Afonso de Castelo Branco (1522-1615), que se encontra sepultado no claustro da Sé Velha de Coimbra, lista os seis autos de fé nos quais pregou o prelado – 1586, 1588, 1589, 1591, 1593 e 1595 -, incluindo o rol de condenados, e analisa os respetivos textos.
A segunda parte publica na íntegra cada um dos sermões.
Related Images:
PUBLICIDADE