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Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra mostra o seu ‘tesouro’ mais antigo

Notícias de Coimbra com Lusa | 2 anos atrás em 31-05-2022

O códice da Bíblia Atlântica, uma obra do século XII, contemporânea do rei Afonso Henriques e o ‘tesouro’ mais antigo da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BG/UC), será mostrado ao público na quinta-feira, anunciou a instituição.

Em declarações à agência Lusa, João Gouveia Monteiro, diretor da BG/UC, lembrou que a Biblioteca Geral conserva no seu espólio, há vários séculos, “um códice de mão, em pergaminho, da Bíblia Sacra ou Bíblia Atlântica, datável do século XII”, que será a ‘estrela’ de uma sessão a cargo de António Gomes, especialista em Paleografia e Diplomática e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), em colaboração com Maria de Fátima Bogalho, técnica superior de secção de Livro Antigo da biblioteca.

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Segundo Gouveia Monteiro, a Bíblia Atlântica – também conhecida por Bíblia Gigante e cujo nome de batismo deriva de Atlantes, um gigante da mitologia grega condenado por Zeus a carregar, pela eternidade, a abóbada celeste sobre os ombros – foi editada na época do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.

“Faço esta referência para as pessoas terem a noção da sua antiguidade. Se o nosso primeiro rei fosse um bocadito mais dado às leituras, o que não era propriamente a prioridade nem a vocação dele, poderia ter manuseado o livro que nós vamos mostrar publicamente”, observou o responsável da Biblioteca Geral.

O também professor da FLUC, doutorado em História e antigo Pró-Reitor para a Cultura, esclareceu, por outro lado, que a Bíblia Atlântica se integra na tradição medieval da chamada Sacra Página, ou seja, o estudo das bíblias, “que ocupava um lugar de enorme relevo na cultura medieval, muito centrada, até finais do século XII, no estudo e interpretação da Bíblia”, disse.

Com efeito, declarou Gouveia Monteiro, os monges, nos seus mosteiros, faziam um exercício chamado de exegese bíblica: “tentavam encontrar significados alegóricos nas passagens das Sagradas Escrituras. Retirar não apenas o sentido literal das frases, mas também o valor moral, o sentido que estaria por detrás dos escritos, oculto nas entrelinhas”.

Essa tradição da Sacra Página “animava a vida” nos gabinetes de cópias de livros antigos dos mosteiros medievais, como retratado, lembrou o diretor da BG/UC, no filme “O Nome da Rosa” – realizado em 1986 por Jean-Jacques Annaud, com Sean Connery e Christian Slater nos principais papéis – baseado no homónimo romance histórico do escritor Umberto Eco, editado uns anos antes e que “tem essa reconstituição desse ambiente dos mosteiros medievais”.

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“As bíblias eram objeto de cópia e isso absorvia muito do esforço e do talento desses monges copistas, que eram muitas vezes pessoas que, até por razões de natureza física, não se podiam dedicar a outro tipo de trabalhos manuais, na agricultura ou artesanato. Mas que tinham cultura, erudição, conhecimento suficiente e algum talento, também, para fazer essas cópias “, explicou.

“As cópias eram demoradíssimas. Copiar uma bíblia inteira do princípio ao fim em pergaminhos era uma tarefa ciclópica, era a fotocópia manual da altura”, ilustrou Gouveia Monteiro.

Em alguns códices medievais, os copistas faziam anotações nas margens das páginas “a dizer quantas horas de purgatório é que já resgataram com aquele trabalho”.

“Aquilo era um esforço que era compensado na hora do Juízo Final, era uma contabilidade de boas ações e há alguns desabafos, em algumas anotações, que dão a entender isso nas margens dos manuscritos medievais”, sublinhou João Gouveia Monteiro.

Não é o caso da Bíblia Atlântica da Biblioteca Geral da UC, que, mais do que um livro, “é uma obra de arte sumptuosa”, uma bíblia “de uma dimensão gigante”, com mais de meio metro de altura por 36 centímetros de largura.

No espólio da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra existem outras bíblias, como a hebraica “que é muitíssimo pedida, até por delegações judaicas” que a visitam.

“Comovem-se muito a ver uma bíblia que é de finais do século XV, que deve ter pertencido a uma família judaica que teve de fugir de Portugal e depois de Espanha, quando os judeus que não se quiseram converter a cristãos foram expulsos da Península Ibérica”, notou.

“Essa bíblia é muito mais pequenina do que esta. E, por exemplo, a primeira edição de Os Lusíadas, quando a mostramos publicamente, embora tendo um valor bibliográfico enorme, as pessoas ficam muito desapontadas, por ser pequenita, num papel de fraca qualidade”.

“Esta não, é uma coisa verdadeiramente monumental, que tem um nível de decoração verdadeiramente maravilhoso”, afirmou Gouveia Monteiro, sublinhando que a intervenção de calígrafos, iluminadores e miniaturistas – responsáveis pela letra carolina em latim de finais do século XII, desenhada a várias mãos, bem como ilustrações relativas a cenas bíblicas, motivos da flora e animais fantásticos e capítulos iniciais iluminados a ouro, prata e cores diversas sobre fundos de ouro e azul – “transformam-na numa espécie de livro tesouro, o tesouro mais antigo da Biblioteca Geral”.

A Bíblia Atlântica, que não era algo que “andasse pela mão das pessoas” na época medieval, fora dos mosteiros, embora pudesse existir “uma figura de grande dimensão política, ao nível da realeza, ou do Papa, a quem pudesse ser oferecida”, já que estes códices, “os completos, são extremamente raros”, indicou.

A obra de arte, que está digitalizada e disponível para visualização online em https://am.uc.pt/item/58623, página do Alma Mater, repositório de livros antigos da Biblioteca Geral, será exposta ao público durante a sessão de quinta-feira, promovida pela Liga dos Amigos da Biblioteca Geral e agendada para as 18:00 na sala de São Pedro da instituição.

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