Política
Atuação do SIS na recuperação de computador do ministério das Infraestruturas suscitou críticas e dúvidas
A intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na recuperação do computador de um ex-adjunto do ministro das Infraestruturas suscitou críticas e dúvidas, com partidos da oposição a falarem em utilização indevida dos serviços e a defenderem um inquérito parlamentar.
Na semana passada, Eugénia Correia, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, assumiu que tomou a “iniciativa própria” de contactar o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), na noite de 26 de abril, perante o alegado furto de um computador com documentos classificados.
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Em causa está o facto de, nesse dia, Frederico Pinheiro ter-se dirigido ao ministério das Infraestruturas, após ter sido exonerado, para ir buscar um computador, que terá sido posteriormente recuperado através da intervenção do SIS.
Esta intervenção mereceu críticas da oposição, que consideraram estar-se perante uma utilização abusiva dos serviços de informações, tendo o Chega e a Iniciativa Liberal proposto a constituição de uma comissão de inquérito para apurar o sucedido.
Hoje, o líder parlamentar do PSD anunciou que o partido votará a favor dos requerimentos já apresentados por Chega e IL para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito à atuação das ‘secretas’ e pondera iniciativa própria.
Joaquim Miranda Sarmento considerou que se mantêm “contradições insanáveis” dentro do Governo sobre a decisão de acionar o SIS para recuperar o computador do Ministério das Infraestruturas, na noite de 26 de abril.
O Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) é um organismo público que visa “prestar apoio ao decisor político, antecipando e avaliando as diferentes ameaças que visem Portugal e os seus interesses”, lê-se no ‘site’ deste órgão.
O SIRP é integrado pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS) e pelo Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), que têm competências distintas, mas visam ambos produzir “informações necessárias à preservação da segurança interna e externa”, assim como à “independência e interesses nacionais e à unidade e integridade do Estado”.
O SIS age no âmbito doméstico e atua em território nacional, investigando, por exemplo, questões ligadas a sabotagem, terrorismo, espionagem e “todos os demais atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito democrático”.
Já o SIED não tem qualquer limitação geográfica e, entre as suas incumbências, cabe-lhe recolher informações fora de fronteiras, antecipando, por exemplo, “situações de instabilidade política, social e económica ou ameaças transnacionais que possam afetar os interesses externos de Portugal e a segurança das comunidades portuguesas”.
Tendo como principal função recolher, processar e produzir informações, com vista à salvaguarda, segurança e defesa dos interesses nacionais -, os serviços de informações “não dispõem de competências policiais”.
Os seus funcionários, civis ou militares, estão “proibidos de exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes expressamente proibido proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais”, lê-se no ‘site’ do SIRP.
O SIRP é tutelado diretamente pelo primeiro-ministro, que, segundo estipula a lei, controla e orienta a ação dos serviços de informações, mantém informado o Presidente da República acerca da sua condução – seja diretamente ou através do secretário-geral do SIRP, e preside ao Conselho Superior de Informações.
Todos os altos cargos de direção nos serviços de informações são diretamente escolhidos pelo primeiro-ministro, cabe-lhe nomear ou exonerar o secretário-geral do SIRP, atualmente a embaixadora Graça Mira Gomes e, ouvido o secretário-geral, escolher também os diretores do SIS e do SIED.
O secretário-geral do SIRP está integrado na Presidência do Conselho de Ministros e tem um estatuto equiparado ao de um secretário de Estado. Encontra-se hierarquicamente acima dos diretores do SIS e do SIED, sendo, por isso, o “órgão de direção e coordenação dos serviços de informações”.
Entre as suas competências, cabe-lhe também “executar as determinações do primeiro-ministro e as deliberações dos órgãos de fiscalização” previstas na lei.
O SIS e o SIED são fiscalizados pelo Conselho de Fiscalização do SIRP, um órgão independente composto por três membros que, segundo a lei, devem ser de “reconhecida idoneidade”. São eleitos pela Assembleia da República por voto secreto e “maioria de dois terços dos deputados presentes”.
Os mandatos têm uma duração de quatro anos e a eleição é feita “por lista nominal ou plurinominal”. A atual composição do Conselho de Fiscalização do SIRP (CFSIRP) foi eleita, em abril de 2022, após apresentação de uma lista conjunta entre PS e PSD.
Fazem parte do atual CFSIRP Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna entre 2015 e 2017 e antiga deputada do PS, Mário Belo Morgado, secretário de Estado Adjunto e da Justiça entre 2019 e 2022, e Joaquim Ponte, antigo deputado do PSD.
Entre as suas competências, o CFSIRP efetua visitas de inspeção para fiscalizar o modo de funcionamento e a atividade dos serviços de informações, assim como do secretário-geral do SIRP, aprecia os seus relatórios de atividades e elabora pareceres semestrais sobre o funcionamento do SIRP para o parlamento.
Tem também como incumbência “conhecer, junto do primeiro-ministro, os critérios de orientação governamental dirigidos à pesquisa de informações”.
Este tipo de fiscalização tem sido criticado por partidos da oposição, em particular pelo Chega e Iniciativa Liberal, que levantaram questões quanto ao facto de os membros do CFSIRP terem ligações a partidos políticos.
Numa audição na comissão de inquérito à TAP, Eugénia Correia, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, disse ter tomado a “iniciativa própria” de contactar o SIRP no caso do alegado roubo de um computador por parte de Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba.
“Depois de ter pedido uma chamada para o SIRP, sim, recebi uma chamada do SIS”, disse Eugénia Correia, que acrescentou que não pediu a autorização prévia de João Galamba.
Em causa está o facto de, no dia 26 de abril, após ter sido exonerado, Frederico Pinheiro se ter dirigido ao ministério das Infraestruturas para ir buscar um computador que teria documentos confidenciais e que terá sido, depois, recuperado através da intervenção do SIS.
Esta intervenção tem sido alvo de críticas por parte da oposição, que consideram que se pode estar perante um caso de utilização abusiva dos serviços de informação para fins políticos. A Iniciativa Liberal e o Chega já propuseram a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à atuação do SIS e o PSD, que votará a favor daquelas iniciativas, pondera avançar com uma iniciativa própria.
Vários constitucionalistas têm também considerado publicamente que a atuação do SIS foi ilegal, uma vez que os serviços de informações não têm funções policiais, nem podem receber ordens de ministérios, respondendo apenas ao primeiro-ministro.
O presidente do PSD, Luís Montenegro, defendeu junto do primeiro-ministro a demissão da secretária-geral do SIRP, Maria da Graça Mira Gomes, considerando que estão em causa “distorções legais e reputacionais” dos Serviços de Informações da República Portuguesa.
Após as audições na comissão de inquérito à tutela política da TAP na semana passada, as atenções viraram-se para o primeiro-ministro, com vários partidos a exigirem explicações de António Costa.
Hoje, o primeiro-ministro justificou a recusa em substituir Graça Mira Gomes sustentando que os serviços de informações atuaram nos termos da lei e que a embaixadora“tem uma carreira profissional impoluta, cuja credibilidade por ninguém é contestada”.
Quanto à controvérsia em torno dos seus contactos telefónicos com o ministro das Infraestruturas, António Costa referiu que o próprio João Galamba já disse que não lhe tinha atendido uma primeira tentativa de chamada, na noite de 26 de abril.
“Depois, eu mais tarde liguei-lhe e ele informou-me do ocorrido. Eu perguntei se era necessário fazer alguma coisa e ele disse-me que não. Disse-me que o caso já tinha sido comunicado ao SIS, à PJ e às autoridades e que tudo estava a correr”, contou.
No dia 03 de maio, o Conselho de Fiscalização do SIRP divulgou um comunicado referindo os elementos que recolheu “não permitem concluir” que tenha havido uma atuação ilegal do Serviço de Informações de Segurança na recuperação do portátil do ex-adjunto do ministro João Galamba.
O CFSIRP acrescentou que “não existem indícios que sustentem ter sido adotada pelo SIS qualquer medida de polícia aquando da recuperação do computador em causa” e que “tudo aponta no sentido de o computador ter sido entregue voluntariamente por quem o detinha, na via pública”.
No dia 11, ouvido no parlamento, numa audição à porta fechada, o diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz, assumiu toda a responsabilidade pela decisão da atuação deste serviço na recuperação do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas.
De acordo com fontes parlamentares ouvidas pela Lusa, o atuação do SIS na recuperação do computador na posse de Frederico Pinheiro foi justificada nessa audição pelos dirigentes das “secretas” com o caráter estratégico da informação do Ministério das Infraestruturas e ausência de suspeitas de crime.
Na semana passada, após Frederido Pinheiro ter afirmado no parlamento que tinha sido “ameaçado pelo SIS” para entregar o computador, o gabinete da secretária-geral do SIRP, em comunicado, veio negar que o SIS tenha “proferido ameaças ou coagido o Dr. Frederico Pinheiro”.
O Ministério Público já anunciou que está a investigar o caso.
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