Coimbra

Atitude mais digna em relação a José Afonso é “deixá-lo onde está”

Notícias de Coimbra | 6 anos atrás em 23-08-2018

 A “atitude mais digna” em relação a José Afonso é “deixá-lo onde está”, porque “está onde quis estar, em Setúbal e em campa rasa”, defendeu hoje o músico Francisco Fanhais, amigo e companheiro de canções de José Afonso.

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“Respeitando outras opiniões e a título rigorosamente individual, penso que a atitude mais digna em relação ao José Afonso é deixá-lo onde está”, já que está onde quis estar e “para morada final, não me parece que a terra seja menos digna do que a pedra polida ou o mármore do Panteão”, sublinhou Francisco Fanhais, amigo e companheiro de música de José Afonso desde finais da década de 1960.

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Francisco Fanhais reagia assim à agência Lusa à proposta de trasladação dos restos mortais de José Afonso para o Panteão Nacional, tornada pública pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) na terça-feira.

Para Francisco Fanhais – que gravou pela primeira vez com José Afonso o “Canto Velho Rumos Novos”, LP editado em 1969 em que Fanhais, então padre, tocava bombo no tema “S. Macaio” – a pedra polida ou o mármore talvez sejam mais dignos que a terra “numa visão sumptuosa da vida, ou da morte”.

“Mas não para uma figura como o Zeca cuja vida foi marcada pela simplicidade, pela fraternidade humana, pela poetização das coisas simples, como diz o seu irmão João Afonso”, sublinhou o músico “que se orgulha muito” de ter gravado o tema “Grândola, Vila Morena” com José Afonso.

O tema que viria a tornar-se na senha do movimento dos capitães que fizeram a revolução de 25 de Abril de 1974 – e que foi cantado ao vivo, pela primeira vez, por José Afonso, na Galiza – viria a integrar o álbum “Cantigas do Maio”, gravado em França em 1971 e que foi o segundo trabalho discográfico que Francisco Fanhais gravou com José Afonso, aqui também com José Mário Branco.

“O Zeca continua a convidar-nos à não-resignação e creio que o ouviremos melhor e que a sua mensagem é mais eficaz se soubermos que a sua voz continua a interpelar-nos do sítio onde está. Com terra, ervinhas e flores”, concluiu Francisco Fanhais, sublinhando sempre que as suas declarações são “a título individual e enquanto amigo” e companheiro de caminho de José Afonso e não enquanto presidente da Associação José Afonso.

Na quarta-feira, a viúva de José Afonso mostrou-se surpreendida com a proposta da SPA de trasladação dos restos mortais do músico para o Panteão Nacional.

Foi “uma surpresa e vamos decidir”, disse Zélia Afonso, em declarações à agência Lusa, sublinhando que José Afonso pediu para ser sepultado em campa rasa.

“A única coisa que eu posso acrescentar é dizer que foi uma surpresa e que o Zeca pediu que fosse [sepultado] em campa rasa, em Setúbal, e eu estou determinada” a que assim permaneça, ressalvando, no entanto, que há mais pessoas na família.

Horas mais tarde, em nota assinada por Pedro Afonso, um dos quatro filhos do músico, a família de José Afonso rejeitaria a proposta da SPA.

“José Afonso rejeitou em vida as condecorações oficiais que lhe haviam sido propostas. Foi, a seu pedido, enterrado em campa rasa e sem cerimónias oficiais, em total coerência com a sua vida e pensamento. Por isso, apesar da meritória intenção que inspira a proposta, é a sua vontade que deve ser respeitada”, referiu a nota divulgada pela família do artista.

Em comunicado divulgado na terça-feira, a SPA defendeu a trasladação dos restos mortais do criador de “Grândola, Vila Morena” para o Panteão Nacional, em Lisboa.

“É este o tributo e é esta homenagem que Portugal deve a quem como mais ninguém o soube cantar em nome dos valores da liberdade, da democracia, da cultura e da cidadania”, lia-se no comunicado.

A SPA afirmou que José Afonso (1929-1987) é “uma das figuras mais marcantes da história da vida cultural e artística portuguesa”.

A cooperativa de autores assumiu “publicamente o compromisso de lutar por este legítimo e inadiável ato de consagração que deverá coincidir com os 90 anos do nascimento [de José Afonso] e com os 45 anos do 25 de Abril”.

Em maio de 1983, o músico foi homenageado pelo município de Coimbra, tendo recebido a Medalha de Ouro da cidade. Na ocasião o então presidente da câmara, Mendes Silva, agradeceu a José Afonso a quem se dirigiu tendo afirmado: “Volta sempre, a casa é tua”. O compositor retorquiu: “Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem”.

Também nesse ano, o então Presidente da República, António Ramalho Eanes, atribuiu a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusou-se a preencher o formulário.

Em 1994, o Presidente da República, Mário Soares, tentou condecorar postumamente José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas Zélia Afonso recusou, alegando que o músico não desejou a distinção em vida e também não seria condecorado após a sua morte.

A SPA reclama, em nome dos autores portugueses, a trasladação dos restos mortais de José Afonso, sepultados em campa rasa no Cemitério de N. S. da Piedade, em Setúbal.

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