Crimes

“Artista”. Negociante de arte doava peças a museus antes de cometer fraudes mundiais

Notícias de Coimbra | 2 meses atrás em 21-09-2024

Uma investigação internacional sobre comércio ilícito de obras de arte descobriu que um negociante de antiguidades que fazia doações de peças em muito pequena escala a museus de pelo menos três continentes, cometia em seguida fraudes com colecionadores privados.

Este é um dos casos que a investigadora Donna Yates, membro fundador do consórcio de investigação Trafficking Culture, vai dar como exemplo das suas descobertas na intervenção “Crime em coleções de museus: encontrar padrões para histórias escondidas” no âmbito da Escola de Verão do Museu Gulbenkian “Museus, Democracia e Cidadania”, a decorrer entre 25 e 27 de setembro, em Lisboa.

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“Detetámos esse padrão de atividade e perguntámo-nos porquê. Pensamos que ele estava a praticar ‘lavagem de reputação’ com este comportamento”, indicou a especialista Donna Yates, numa troca de perguntas e respostas, por correio eletrónico, com a agência Lusa.

O esquema criminoso era simples: “O negociante parecia estar a usar a reputação que ganhou ao doar antiguidades a coleções públicas para assim ajudar os seus esquemas relacionados com colecionadores privados”, explicou, observando que “as coleções públicas e privadas estão interligadas de várias formas”.

“O infame negociante de antiguidades fazia doações de antiguidades em muito pequena escala a museus de pelo menos três continentes, aparentemente mesmo antes de cometer outro tipo de crime ou fraude”, descreveu especialista, professora associada do Departamento de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos.

O comércio ilícito de bens culturais, estimado anualmente em centenas de milhares de peças – com algumas apreensões anunciadas pelas autoridades – destacou-se sobretudo após os escândalos ocorridos em museus europeus de renome mundial.

O antigo presidente-diretor do Museu do Louvre, Jean-Luc Martinez, que ocupou o cargo até agosto de 2021, foi acusado no ano seguinte de branqueamento de capitais e de cumplicidade de fraude, num caso de tráfico de antiguidades inserido numa ampla investigação internacional que alegadamente afeta o Louvre em Abu Dabi e o Museu Metropolitan em Nova Iorque.

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A investigação detetou vários comerciantes de arte e peritos considerados suspeitos de terem produzido documentos falsos para fabricar as origens dos objetos saqueados em vários países do Médio Oriente durante a “Primavera Árabe”.

Também o Museu Britânico sobressaiu por razões adversas quando este ano os meios de comunicação noticiaram que tinham desaparecido quase dois mil artefactos das suas reservas, entre joalharia, pedras preciosas e fragmentos de peças antigas em ouro, levando à demissão do diretor, Hartwig Fischer, de 60 anos, no cargo desde 2016.

As autoridades vieram a descobrir que muitas dessas peças foram furtadas por um dos funcionários do museu, algumas pertencentes a coleções datadas do século 15 antes de Cristo, incluindo joias gregas e romanas, que eram vendidas em plataformas ‘online’ a preços reduzidos.

Donna Yale, que recebeu um Prémio Core Fulbright para estudar o tráfico de antiguidades latino-americanas, centrou esse seu projeto na relação entre as comunidades, os governos, a lei e o funcionamento dos mercados criminosos transnacionais.

O seu trabalho também ajudou a desenvolver mecanismos reguladores para controlar o comércio ilícito de antiguidades na América Latina, com base em trabalho de campo na Bolívia, Belize e México.

Questionada pela Lusa sobre quais são atualmente os países mais vulneráveis neste domínio, e os maiores alvos do comércio ilícito de bens culturais, indicou que “muitas vezes, os locais de conflito e de fracasso económico são os mais frágeis ou os maiores alvos”.

“Quando há situações em que as pessoas estão desesperadas e o Estado não consegue ou não quer proteger o património cultural, é compreensível que as pessoas se voltem para qualquer fonte de rendimento que consigam encontrar”, disse à Lusa.

Por outro lado, “os invasores tendem a interessar-se pelos despojos”, por isso aponta a Ucrânia como um país que deve ser alvo de atenção, embora quase toda a sua investigação até hoje tenha sido realizada em países que não estão em situação de conflito.

Sobre as peças mais procuradas e traficadas, disse ser “impossível” responder: “Existem infinitos submercados, cada um com as suas próprias fontes de procura. No entanto, as peças mais compradas e vendidas tendem a ser de baixo preço, pequenas, de baixo valor, fáceis de transportar, fáceis de adquirir… e que se enquadram em todos os tipos de diretrizes ou restrições de comunicação obrigatória”.

Esse é o caso das moedas antigas, por exemplo, ou o tipo de pequenos objetos que foram roubados do Museu Britânico “durante anos, sem que ninguém se apercebesse”, exemplificou à Lusa.

De acordo com o relatório anual da Art Basel, o mercado lícito de arte registou transações no valor de 65 mil milhões de dólares (cerca de 58,3 mil milhões de euros), valores que levam os especialistas a inferir que o tráfico ilícito também será bastante rentável.

Donna Yates recebeu em 2018 uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 1,5 milhões de euros para estudar durante cinco anos a forma como os objetos influenciam as redes criminosas, com especial incidência em antiguidades, fósseis e vida selvagem rara e colecionável.

Interessa-lhe sobretudo saber o que atrai as pessoas para estes “objetos de coleção criminogénicos”, como as pessoas interagem com eles e como estas peças podem levar a cometer crimes.

O programa da Escola de Verão do Museu Calouste Gulbenkian vai abordar os mais variados temas da atualidade museológica, como o impacto da Inteligência Artificial nos museus, novas abordagens às exposições de arte histórica, projetos de curadoria participativa, trabalho em redes colaborativas e participação digital.

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