Opinião
Ámen.
Há 400 anos, Blaise Pascal falou sobre a vantagem matemática de acreditar em Deus, naquela que viria a ser consagrada como a Aposta de Pascal. Confrontado com os mesmos existencialismos que aterrorizam a pós-modernidade, o filósofo francês dizia que “acreditar em Deus compensa” e que podia fundamentá-lo através da razão.
Tudo se resume, segundo ele, a uma lógica de probabilidades. Se eu retiro mais ganho pela suposição da existência de Deus do que pela sua não existência, é lógico acreditar n’Ele. Se Ele existir, o ganho é infinito. Um ganho com uma dimensão tal que escapa à nossa compreensão do Universo e do Homem e, por isso, bem mais atrativo do que a satisfação finita de não acreditar em Deus e ver comprovada a sua não existência.
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Na dúvida, portanto, mais vale escrever “Ele” com “e” maiúsculo e, assim, garantir o meu lugar no Céu. O máximo que pode acontecer é Ele não existir e eu ter gastado a tecla do Caps Lock mais do que era devido. Vivo bem com esse risco.
Sendo uma teoria simples – bem menos sofisticada do que as dissertações filosófico-modernas de um Miguel Milhão ou de um Numeiro –, convida-nos a acolhê-la. Simplificando de uma forma simploriamente descomplicada, podemos resumir a conclusão de Pascal a “Se não consegues vencê-los, junta-te a eles”. “Pois se não obtenho ganho ali, porque não hei-de ir para acolá?”, é afinal o alerta do pragmático filósofo e matemático do séc. XVII.
Por cá, no séc. XXI, pelas dunas da ocidental praia lusitana, as teorias são mais claras. A teoria do momento é a seguinte: se a direita ganha, vem a extrema direita. Aqui, os extremos são incluídos e considerados, qual borda de pizza que se liberta do destino cruel de ser atirada para a caixa de cartão. Uma teoria que, para quem não aprecia a extrema-direita, acaba por transportar o maior ganho para a aposta socialista, confirmando a premissa de António Costa de que “a alternativa ao PS é o PS”.
A tese teve continuidade neste fim-de-semana, no congresso socialista, e veio pela boca de Pedro Nuno Santos, imbuída de todo o seu carisma, aclamada pelas palmas e gritos de esperança, ungida por Karl Marx e Mário Soares, numa orgia cósmica onde só entram rosas e punhos bem hirtos.
A dada altura, instalado na mesa “presidencial” do congresso, e sob os olhares dos camaradas e das televisões, o “neto de sapateiro” resolveu chamar o bisneto de sapateiro. A criança correu, sentou-se e desfrutou do amor paternal, ao colo do líder socialista. Um momento comovente que, quando acompanhado pela guitarra de Cat Stevens, pode mesmo levar às lágrimas o público mais sensível.
Não sei quanto a vocês, mas eu estou convencido.
Os críticos dirão que é populismo.
Os cínicos dirão que PNS se inspirou no sucesso da gestão da imagem do filho do tiktoker Kapinha, que há pouco tempo revelava vídeos – no TikTok, claro – em que o seu filho Gabriel, de 9 anos, chorava baba e ranho no bloco operatório, enquanto o ex-D’Arrasar o acalmava gentilmente como qualquer bom pai faria.
Os ainda mais cínicos dirão que uma reportagem do pós-operatório pediátrico é bem menos traumática para a criança do que a exposição a um congresso recheado de socialistas.
E eu digo-vos: Se isto não nos faz votar, a todos, no PS, não sei o que mais fará. Juntemo-nos à oração e assumamos as nossas odds, meus concidadãos apostadores.
E por falar em filhos… Entretanto, prestes a ver-nos privados do nosso António Costa, somos recompensados pela chegada ao espaço mediático do seu filho, Pedro Costa, a nova contratação para o leque de comentadores políticos que difunde a sua gnose no espaço televisivo. CNN e SIC Notícias foram a manjedoura destas primeiras aparições em que – SPOILER ALERT – o filho defendeu o pai. Parece que o filho do ainda PM aprecia bastante as políticas seguidas pelo seu progenitor.
Contrariando a nossa tradição fundadora, ao que parece, este filho não bate na mãe. Nem tão pouco no pai. Ou mesmo no tio Ricardo. Pedro Costa não bate em ninguém, e, por isso mesmo, devemos desconsiderar a rudeza que o seu aspeto de mordomo da Confraria da Chanfana sugere.
Do que é conhecido, Pedro Costa, de 33 anos, é, aliás, bem simpático e sociável. Ainda antes de se firmar como autarca numa das mais importantes freguesias da capital, começou a sua carreira como relações-públicas em discotecas algarvias. Aí, assumia a distribuição de mesas VIP e pulseiras com o consumo mínimo gravado – uma função bem mais exigente do que o exercício do comentário político que não implica filas à entrada, bêbedos à saída e uma multidão de gente que se acotovela numa mistura de dança e “deixem-me passar”.
Basta que a direita se aperceba destas façanhas para que a conversão plena seja finalmente concretizada. Vejamos: trata-se de uma ascensão meteórica e inspiradora de um jovem trabalhador que começou a lavar copos em bares e acabou, de gravata, na TV, conseguindo, assim, personificar o paradigma meritocrático dos liberais e, em simultâneo, devolver a fé aos democratas cristãos. Das duas, uma: ou foi suor ou foi milagre, e ambas as hipóteses agradam ao paladar da direita. Eu, como Pascal, permito-me acreditar na probabilidade do milagre. Ámen.
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