Opinião

Alertar mata

Notícias de Coimbra | 11 meses atrás em 18-01-2024

Atenção: Fumar não mata. Em bom rigor, é justo dizer que fumar pode eventualmente antecipar a morte. Agora, matar instantaneamente, não, não mata. De outra forma, se matasse, as nossas vidas seriam muito mais difíceis. Quem, todos os dias, até ao fim da sua vida, conseguiria suportar a visão de milhares de cadáveres espalhados pelas ruas, muitos de aspeto jovem e saudável, mas todos de Marlboro colado aos lábios? 

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O mais correto será afirmar que o ato de fumar, de forma frequente e prolongada no tempo, aumenta drasticamente a probabilidade de morrer com um cancro nos pulmões. Frase longa — eu sei —, demasiado extensa para caber nos avisos aplicados em cada maço de tabaco vendido em Portugal. Compreende-se, por isso, que a tutela, acompanhada pelas diretrizes comunitárias, tenha optado pelo alerta “FUMAR MATA”, mesmo que esta afirmação não seja inteiramente rigorosa. É, porém, simples e direta: “FUMAR MATA”. Pimba! Curto e grosso. 

E não ficamos por aqui: “FUMAR AGRAVA RISCO DE CEGUEIRA”; “FUMAR REDUZ A FERTILIDADE”; “FUMAR PROVOCA ATAQUES CARDÍACOS” são três avisos, entre vários, que nos desaconselham o ato de fumar. A não ser que o fumador seja já cego, infértil e não tenha coração. Se for o caso, não há problema. Pode puxar do Lucky Strike, sem medos. 

Agora, com a recente alteração da lei do tabaco, os maços de tabaco aquecido são equiparados ao tabaco convencional, e, assim, passarão — também eles — a exibir semelhantes alertas estampados na embalagem. Pois, se os fumadores de tabaco tradicional já estavam avisados da iminência da sua morte, porque não alertar os fumadores do tabaco aquecido? Vamos deixá-los andar por aí, julgando que este tabaco faz bem à saúde?

Ainda que, neste caso, do tabaco aquecido, eu já tivesse as minhas suspeitas — bastava-me a imagem de alguém a expelir fumo da sua boca para adivinhar que aquilo era capaz de não fazer bem à saúde —, o que importa é alertar, avisar quem não sabe ou sequer desconfia dos perigos que ameaçam a sua saúde e bem-estar. 

Julgo até que, após um debate público e um esclarecimento profundo sobre a matéria, podemos (e devemos) alargar esta política de avisos. Porque não replicar os alertas noutros produtos e serviços? 

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E a fast food? Não merecerá, ela, uma pequena advertência? Ela, que, comprovadamente, provoca obesidade, problemas cardiovasculares, diabetes e outras tantas maleitas? É preciso alargar, avisar as pessoas que deixam dezenas de euros todos os meses na Telepizza, o pessoal que devora big mac’s sem realizar verdadeiramente o prejuízo implicado em cada dentada. 

Sugiro que, doravante, o mesmo seja aplicado aos McDonald’s e Burger King’s desta vida. A quantidade de jovens obesos (e pré obesos) que seriam salvos se, ao abrirem a caixa do delicioso hambúrguer, fossem surpreendidos com a fotografia do Dj Khaled… ou do Jack Black… ou do Rick Ross… ou da Adele em 2009. Ou do próprio Fernando Mendes, acompanhada pelo aviso: “Continua a comer assim e acabas a apresentar o Preço Certo!”. Qualquer miúdo, com certeza, cuspiria de imediato aquele terrível naco de carne que rapidamente substituiria por saladas e leguminosas. 

O mesmo serve para os cães de raça perigosa — pitbull, rottweiler e afins. Cuidado com estes bichos, tantas vezes acolhidos por donos ignorantes que não compreendem os reais riscos de uma mordidela bem dada. A quantidade de pessoas que seria salva se o pitbull viesse com um enorme autocolante colado ao lombo a dizer: “O CÃO MATA”. O cão assassino seria imediatamente substituído por um gato pequeno e gentil, daqueles que lixa o sofá, mas não lixa o dono.

As próprias revistas cor-de-rosa… Já alguém alertou os leitores da Nova Gente e da Tv 7 Dias para os malefícios de tais publicações? Porque não colocar um enorme anúncio na capa a dizer: “LER ESTAS COISAS ESTUPIDIFICA. VÁ ANTES LER O GUERRA E PAZ OU O ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, QUE ASSIM AUMENTA A SUA CULTURA E EDUCAÇÃO, E CONSEQUENTEMENTE REDUZ O RISCO DA SUA PRÓPRIA POBREZA”. Demasiado longo, porventura. “LER ISTO NÃO O BENEFICIA” talvez resultasse melhor. 

Aviso, todavia — e atenção aos meus avisos que normalmente trazem conselhos bem valiosos —, que esta política de alertas não deve ser aplicada a qualquer perigo, vício ou patologia. No alcoolismo, por exemplo, os riscos de alertar podem matar mais rapidamente do que o próprio alcoolismo. Advertir reiteradamente um alcoólico para os riscos de cirrose pode ser fatal… para o mensageiro dos alertas. 

Não nos esqueçamos que alguns alcoólicos têm “mau vinho”. Há gente que poderia reagir de forma impaciente e violenta à moralidade transportada nos conselhos e avisos. “LARGA O COPO, BEBEDOLAS”, por exemplo, é o tipo de expressão a evitar. Cautela com isso. 

Alertar pode, pois, matar a curto prazo. Já fumar, beber ou comer, só mata a longo prazo. E, se for para morrer, eu prefiro sempre pensar a longo prazo.

Opinião | Bernardo Neto Parra

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