Esta é uma daquelas histórias que nos faz sentir divididos… a infame fuga dos cinco prisioneiros de Vale de Judeus, em Alcoentre, na manhã do passado sábado.
É verdade que se trata de um conjunto de prisioneiros, criminosos punidos à luz da Lei e condicionados pela Ordem, que (idealmente) deviam estar encarcerados, longe da sociedade civil, desde há dias ameaçada pela putativa violência de quem cremos estar disposto a fazer qualquer coisa para preservar a sua própria liberdade.
Porém, quer queiramos quer não, insurge-se, em nós, a mesma emoção que nos fez torcer por Michael Scofield em Prison Break, por Andy Dufresne em The Shawshank Redemption ou por Pablo Escobar em Narcos. E, por isso, comandada por um espírito de groupie, fascinada pela rebeldia da disrupção que mora no nosso imaginário, parte de nós clama pelo sucesso de Fernando Ferreira, Rodolf Lohrmann, Mark Roscaleer, Shergili Farjiani e Fábio Loureiro, desejando que estes rebeldes escapem às malhas da justiça incompetente que os não soube reter.
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Outra parte de nós – esta mais resistente aos encantos rebeldes – convencida pela racionalidade que instiga a urgência de capturar aqueles foragidos, rapidamente nos põe os pés na terra e nos devolve o bom senso esquecido. Afinal, o lugar dos criminosos é na cadeia – ou à beira-mar, em Cascais ou na Ericeira, se se tratar de criminosos de bom colarinho.
Certos da necessidade de repor a segurança pública e de credibilizar o sistema prisional, fomos, entretanto, envolvidos num debate alargado, sustentado pelo confronto de doutrinas e argumentos que todos se permitem discorrer, mesmo os que nunca conheceram um presidiário ou nunca pisaram o chão de qualquer cadeia.
Ao longo de toda a semana, repetidamente, os opinion makers da nossa praça foram condenando as condições precárias das nossas prisões. Desde a degradação das infraestruturas que integram a rede daqueles estabelecimentos até à escassez dos salários e à aridez das carreiras de quem vigia e protege os seus ocupantes, consensualmente, todos alertaram para a necessidade de melhorar a qualidade dos presídios portugueses.
“Com péssimas prisões, como podemos nós formar bons prisioneiros?” questionaram os espíritos mais humanistas, sensíveis à obrigação moral de preservar a dignidade dos reclusos e conscientes da responsabilidade que o Estado assume quando priva um cidadão da sua liberdade, enquanto, no rescaldo de tais opiniões, a opinião pública se tornava quase uníssona: “é urgente requalificar os estabelecimentos prisionais!”
Perante toda esta convergência, e pouco dado a conformidades absolutas, pus-me a pensar sobre o assunto que, por esta altura, ainda me suscita várias interrogações. Não querendo menosprezar a dignidade de quem está preso, privado da sua liberdade, atrevo-me a questionar: até que ponto podemos melhorar a qualidade das prisões?
É que, bem vistas as coisas, considerando o preço a que está hoje o metro quadrado nas principais metrópoles do país e admitindo que consigamos melhorar significativamente as condições das nossas cadeias, é bem possível que a perspetiva de uma pena de prisão que assegure habitação e alimentação gratuitas pareça cada vez mais convidativa aos portugueses. E, assim, sem que nos apercebamos, arriscamo-nos a que, de repente, milhares de portugueses se dediquem ao crime e protagonizem uma onda de violência sem paralelo na nossa História… não motivados por qualquer impulso transgressor, mas desesperados por garantirem um quarto que não lhes leve dois terços do seu salário.
Aliás, não fosse o fenómeno do malfadado “efeito de estufa” e, porventura, alguma ignorância sobre a evolução do mercado imobiliário em Portugal, e talvez os foragidos de Vale de Judeus tivessem valorizado mais as virtudes do seu habitat prisional. Estivessem eles cientes da enormidade dos preços por aí praticados, e, talvez, tivessem apreciado mais a sua masmorra, desfrutando do raro privilégio de poderem estar alheados da inflação dos mercados e imunes à insistência dos agentes imobiliários – uma classe que, essa sim, deveria ser punida severamente,
privados de realizar telefonemas insistentes ou vendas coercivas, sem direito a lucrar com a inflação desmesurada que nos faz pagar fortunas pelo privilégio de vivermos aprisionados em ‘cárceres’ de escassos metros quadrados e pé direito diminuto.
OPINIÃO I BERNARDO NETO PARRA
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