Cidade
A visão de Duarte Nuno Vieira sobre o futuro de Coimbra
Coimbra
Dizem que cada um tem a sua cidade. Que olhares diversos podem ver coisas muito distintas na mesma realidade. Que cada um, na sua cidade, vê apenas as sombras dos espaços que percorre e vive à luz dos que imaginou e sonha. Que cada um a reinventa e perspetiva, em função dos limites do seu próprio horizonte, das suas experiências e vivências do mundo. Dizem também que, por vezes, só valorizamos devidamente a nossa cidade quando dela partimos.
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Gosto de Coimbra. Deixo-a frequentemente, mas volto sempre a ela. Cada partida acaba por ser sempre uma chegada. Ligam-me a ela mais de meio século de vivências. Nela nasci, nela concretizei a maioria do meu crescimento pessoal e profissional, nela tenho vivido a maior parte da minha vida. É a minha cidade. E não tenho quaisquer dúvidas quanto ao enorme potencial que tem.
É pois compreensível que me magoem os comentários negativos que sobre ela vou ouvindo e lendo. As críticas à decadência e ao desmazelo urbano, à limitada oferta comercial, ao absoluto declínio industrial, à desarticulação da oferta turística, à negligência do património histórico-cultural, ao esvaziamento progressivo de qualificadas gerações mais jovens, à empobrecida oferta cultural, ao isolamento crescente resultante da gradual escassez de ligações rodoviárias e ferroviárias e da falta de (imaginárias) ligações aéreas… Mas dói-me ainda mais o ter de reconhecer que tais comentários se afiguram cada vez mais certos e pertinentes. E não é preciso referir exemplos. São realidades absolutamente evidentes e, como diz uma velha máxima jurídica, aquilo que é evidente não carece de prova.
A situação triste em que se encontra a cidade de Coimbra é uma realidade incontornável, só negada por quem está temporariamente no poder ou à frente de uma qualquer instituição local ou regional com responsabilidades pela atual situação, mas logo por estes reconhecida e apregoada assim que perdem essa condição, sem qualquer vergonha nem acanhamento, passando a acusarem, despudoradamente, aqueles que os substituíram, como os grandes responsáveis pela estagnação.
Ao longo de sucessivas décadas, os partidos políticos não colocaram na Presidência da Câmara, nem no comando das oposições que criaram, ninguém que se tivesse destacado verdadeiramente por um pensamento estratégico, por propostas concretas realmente inovadoras e dinamizadoras, por uma capacidade de diálogo, liderança e mobilização. Sem prejuízo de serem todos pessoas estimáveis e pelas quais, do ponto de vista pessoal, tenho apreço, esta é a indiscutível realidade. E os ditos movimentos de cidadãos independentes também não conseguiram aportar até hoje alternativas que se tivessem revelado válidas e convincentes.
Também aqui surgiram apenas candidatos que se revelaram muitos bons na crítica, excelentes no apontar defeitos, exímios na criação de instabilidade, mas absolutamente frágeis e inconsistentes em termos de propostas válidas, exequíveis e concretizáveis. Candidatos que, no seu passado, jamais evidenciaram uma efetiva capacidade de materialização e de alteração do que está mal, mesmo quando ocuparam lugares de relevo em que poderiam ter feito alguma coisa de útil e de perene, afigurando-se serem agendas pessoais o que está, uma vez mais, essencialmente em causa.
Penso, ainda assim, que a resposta para o futuro poderá vir (terá de vir) dos partidos políticos. E que a cidade terá mais a ganhar se assim for. E acredito que estes têm a experiência e o conhecimento necessários para encontrarem as pessoas com o perfil adequado, se assim o quiserem, dentro ou fora do seu restrito elenco de militantes.
No próximo ano o país registará mais um processo eleitoral autárquico. É fundamental que os partidos comecem a pensar seriamente em quem vão propor como candidatos.
Que consigam pôr os interesses da cidades e dos seus cidadãos, à frente dos interesses corporativos partidários e do dos seus dirigentes. Que entendam que o próximo mandato não pode continuar a ser mais do mesmo, em termos de governação autárquica e de oposição. Que só uma mudança significativa de rumo permitirá que a cidade não acabe um dia por ser uma espécie de ruína, guardiã das memórias de outras realidades e de outras vidas. Coimbra precisa de ter à frente dos seu destino alguém que saiba liderar e entusiasmar; alguém que esteja no apogeu da sua vida profissional (e este situa-se, habitualmente, entre os 45 e os 55 anos); alguém que seja suficientemente jovem, mas também, e simultaneamente, com suficiente maturidade; alguém com experiência política autárquica, mas que não dependa da política e que tenha concretizado uma carreira profissional de sucesso; alguém com experiência não apenas no setor público, mas também no sector privado. Alguém com vivência de mundo, com horizontes alargados e que não venha a ser mais um mero vendedor de ilusões. Alguém que não sinta e viva a cidade como um território seu ou do seu partido, mas como um espaço de partilha e comunhão, no qual a opinião de todos tem de contar para desenhar o futuro.
A cidade tem de mudar. E para além da inigualável experiência de encontro com o saber, com a cultura e com a história que pode e deve proporcionar, tem de ser capaz de surpreender, sabendo manter o delicado equilíbrio entre o passado, o presente e o futuro. Tem de ser uma cidade capaz de seduzir quem vem de fora e que faça dizer “fico”, logo ao entrar. Uma cidade a que se pertença mesmo que nela se não viva.
Sei que ainda existe sonho em muitos de nós. Vamos guardá-lo e segurá-lo. Em 2021, teremos mais uma oportunidade de lhe dar asas e de afastar esta saudade imensa da cidade que não temos.
Opinião de Duarte Nuno Vieira
Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra
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