Opinião
A sustentabilidade que temos que ter (1)
ANTÓNIO MAGALHÃES CARDOSO
Enquanto em Portugal andamos entretidos com telenovelas de baixa qualidade ao mais alto nível político, com laivos de comportamentos infantis quase inexplicáveis, foram recentemente apresentados dois relatórios mundiais de grande importância, que procurarei sintetizar a partir de artigos de Helena Oliveira e de Francisco Neves no portal VER. Porém, sublinhe-se que o Governo Português e a Plataforma para o Crescimento Sustentável (em que prepondera um vice-presidente do maior partido da esfera “governativa”, Jorge Moreira da Silva) produziram documentos sobre sustentabilidade, que importará ter em conta.
A Global Reporting Initiative (GRI) publicou em Maio a G4, com novas diretrizes relativas ao relato da sustentabilidade. Defende que “as organizações devem apenas reportar as questões que influenciem de forma significativa a avaliação e a decisão dos seus stakeholders e que representem impactes económicos, ambientais ou sociais relevantes”. As organizações devem compreender a ligação entre as suas atividades e o meio envolvente, medir e gerir os seus impactes e comunicar de forma transparente com os seus stakeholders. Esta comunicação corresponde a um processo que se formaliza no “relatório da sustentabilidade”, mas inscreve-se na preocupação integrada com a gestão da sustentabilidade.
Ao focalizar-se nos aspetos relevantes, a G4 sinaliza a gestão de topo das organizações a concentrar-se nas matérias que representem impactes relevantes na cadeia de valor, deixando se ser necessário que os relatórios apresentem listas intermináveis de indicadores que pouco ou nada acrescentam aos seus stakeholders ou à governança da organização. A monitorização do desempenho da organização deve envolver verificação externa. O relatório deve ainda suportar-se na estratégia de gestão e na referência a outras organizações e padrão de sustentabilidade, abordando aspetos tão diferenciados como questões éticas e de combate à corrupção e as emissões de CO2.
De espetro mais largo, o recente “World Economic and Social Survey 2013” da ONU analisa os desafios que terão de ser superados para se atingir o desenvolvimento sustentável. Promover o bem–estar económico e social, protegendo e valorizando o ambiente é o maior dos desafios que se colocam à Humanidade. As dicotomias de desenvolvimento, a explosão demográfica, as alterações climáticas e a pressão sobre os recursos ambientais constituem as ameaças mais fortes.
No âmbito da avaliação do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, o Secretário Geral da ONU considera que se atingiram resultados de relevo, como o acesso a água potável, a luta contra a malária e a tuberculose, a melhoria das condições em bairros de lata, o aumento significativo de matrículas no ensino primário e avanços na “condição feminina”, permitindo estreitar o fosso entre géneros, apesar do muito que falta fazer. Porém, Ban Ki-moon também sustenta que os progressos têm sido desiguais e insuficientes, nomeadamente quanto à sustentabilidade ambiental, ameaçada pelo crescimento das emissões de gases com efeito de estufa e pela perda de biodiversidade. Por outro lado, mais de mil milhões de pessoas continuam a viver em situação de pobreza extrema, com menos de 1,25 dólares por dia.
O avanço da urbanização é um dos temas abordados no relatório da ONU. Mais de 6,5 mil milhões de pessoas estarão a viver em cidades até 2050, mas a maioria viverá em favelas, caso não haja fortes políticas públicas que o evitem. Estas políticas terão que atender à circunstância de que o que for feito nas cidades será determinante para o desenvolvimento sustentável, inovador, integrado, coordenado e socialmente responsável (exigindo respostas adaptadas aos contextos). A este nível, avultam os investimentos na utilização de terras aráveis, na segurança alimentar, na criação de emprego, nas infraestruturas de transportes, na conservação da biodiversidade e da água, na utilização de fontes de energia renováveis, na gestão e reciclagem do desperdício e na provisão da educação, de cuidados de saúde e de habitação.
O relatório pronuncia-se ainda sobre o desperdício de alimentos (que atinge 32% do total de alimentos produzidos) e alerta para a urgente correção dos preços de bens e serviços, que reflita a escassez já existente e para que os produtores e consumidores apostem em produtos e processos de produção menos intensivos na utilização de recursos (ao contrário do que hoje sucede com a pecuária intensiva para carne e leite, por exemplo). As estimativas apontam para que, caso nada seja feito, seja necessário “aumentar a produção alimentar em 70% para satisfazer as necessidades de mais 2,3 mil milhões de pessoas”.
Por fim, o relatório preocupa-se com as questões relacionadas com a energia. Considera-se que certas fontes de energia tradicional (como a biomassa) não garantem utilizações suficientemente eficientes e criam impactes sociais negativos. Contudo, reconhece que a utilização de melhores técnicas exige a aplicação de novas tecnologias, o aperfeiçoamento da regulação técnica apropriada (dado que os mercados não resolverão os problemas sem intervenção pública e que se torna necessário criar novos impostos e diferentes subsídios públicos a projetos privados) e um maciço apoio técnico e financeiro para os países em desenvolvimento.
Em próximo contributo, iremos confrontar estas preocupações com as dos relatórios portugueses referidos.
ANTÓNIO MAGALHÃES CARDOSO
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