Opinião
A minha insónia
Passa da meia-noite, o cão dorme na sala e os vizinhos ainda não apagaram as luzes. Descobri que sofro de insónia irregular, não sei se existe esta classificação, aquela que fixa o pensamento num determinado acontecimento do dia. Nesse momento penso que o futuro não é interessante.
O corpo anestesiado não consegue fazer qualquer movimento. A mente e os olhos inquietos fazem-me querer voltar aos vinte anos, e lembro-me das palavras da escritora brasileira Lygia Fagundes Telles, “não peça coerência ao mistério, nem peça lógica ao absurdo”.
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Estamos a viver um período em que somos unânimes em acreditar que a bondade humana salvará todos e que perdoará os que comentem atrocidades contra a humanidade. Para isso é preciso acreditar em milagres. Das falsas promessas ao descalabro das guerras, nem todos são vítimas, embora, haja esforços para tentar minimizar o facto de que é natural lutar e morrer por um país, mesmo que o jovem soldado não lute convicto.
A mentira em que, supostamente, acreditamos pode não ser suficiente para nos levar. Um exemplo disto é o voto que depositarão em Donald Trump e, caso ele seja eleito presidente dos Estados Unidos, a democracia daquele país e o mundo correrão riscos. Quem não acredita num Deus é considerado herege. Neste tempo dividido entre crentes e céticos, crer no absurdo parece natural.
Quando penso nas eleições americanas a minha insónia parece ter olhos para o abismo. O voto de protesto pode dar a vitória a Trump. Neste momento lembro-me do assalto ao Capitólio, da violência gratuita contra os símbolos da democracia. O facto é que de alguma forma todos pensam que cometem erros quando dizem que o voto de protesto é a saída sem fazer escolhas. Mas o voto de protesto é, ele, também uma escolha.
Tenho medo do que está a crescer no silêncio, com a indiferença dos que, ainda, têm voz. Digam-me se estou errada.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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