Opinião
A minha aldeia
Segundo a escritora americana Joan Didion, “os escritores estão sempre traindo alguém”. Não sei se é verdade mas, às vezes, resistimos à própria consciência ou a dar asas às palavras porque elas confrontam-nos com a realidade – o ruído instala-se entre o a verdade e a ficção.
Escrevo para os que gostam de ler; para as pessoas que debatem ideias, ainda que diferentes das minhas, mas, sem assumirem o posto de guardiãs da verdade ou do absolutismo de uma vertente – sobre qualquer assunto que envolva saúde pública, cultura, sociedade ou política. Escrevo para as pessoas com alma, que querem permanecer lúcidas, mesmo que na paisagem haja falta de empatia.
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Gosto de pessoas esclarecidas que não ajam por impulso, mesmo quando a civilidade é a única alternativa. Sim, podemos estar em lados opostos e manifestar respeito mútuo, essa é a identidade da civilização que ainda não se encontrou na dialética da evolução.
Habituei-me a ouvir que sou mulher, antes de ser a Angel Machado. Todas as mulheres têm como o primeiro nome: mulher.
Mulher Maria, Mulher Teresa, Mulher Luísa, Mulher Madalena, Mulher Eva. Não é sorte, é a ridicularização do feminino. Nós podemos ser pedintes de rua e primeira-ministra e, ainda assim, subestimadas e irrelevantes. Na maior parte da história, nós não existimos, apesar de sermos o embrião da humanidade.
Cito um fragmento do poema da escritora brasileira Sylvia Damiani, do livro Atlas (2022): “homens escrevem grandes livros, enquanto mulheres tiram a roupa da máquina”. Isto ilustra o contexto no qual estamos inseridas, não é uma metáfora.
A minha aldeia não é o mundo, é uma ponte para ligar a História, colocar no mapa a opinião e o sacrifício do que significa ser mulher no século XXI. E, contudo, ainda estamos a fazer a viagem sozinhas, resistimos quando a linguagem é a melhor companhia, mas, mesmo assim, às vezes nos trai.
Opinião: Angel Machado | Escritora e Jornalista
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