Opinião
A Europa que me lixa
A Europa está em polvorosa e quem se lixa sou eu, que, em semanas como esta – em que o trabalho se avoluma e não me dá tempo para acompanhar, com a devida calma, todos os acontecimentos relevantes -, não consigo concentrar a minha atenção num único tema. Ela é nas eleições, ela é no futebol, ela é na guerra… a Europa está na berra, anda por todo o lado, e não consegue descansar, obrigando me a mim – que me interesso por ela – a realizar contorcionismos oculares só ao alcance dos camaleões mais dotados.
Perante esta overdose de tantas e tão ricas temáticas europeias, fico hesitante, indeciso, incapaz de escolher uma só matéria e encontrar uma perspetiva original, com méritos suficientes para concorrer com as incontáveis opiniões publicadas em Portugal, um país de tão brandos costumes quanto firmes posições.
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Devo falar sobre o quê, então? Falo da vitória tangencial de Marta Temido? Da necessidade de enquadrar Cristiano Ronaldo na seleção sem condicionar as dinâmicas coletivas? Do flagrante desnorte da aliança transatlântica face à urgência de reforçar os meios da defesa ucraniana?
“Já escolheste o tema desta semana?” – pergunta-me o Grilo Falante, a consciência que alerta para o tique-taque imposto pelo prazo assumido. A pergunta ressoa e o seu eco suscita os instintos mais práticos (ou esquizofrénicos) do meu cérebro que, num tom cada vez mais urgente, me grita: “Vá lá, Bernardo… daqui a nada é quinta-feira e, se não tratas agora do texto, não tens tempo para escrever alguma coisa de jeito”.
Entretanto, o tempo corre, desaparece. Quando dou por mim, é quarta-feira, altura de pôr os dedos no teclado e escrever… sobre qualquer coisa. De preferência sobre a Europa que, nos últimos tempos, tem colhido todos os focos da atenção mediática.
Devo, portanto, avançar para uma análise das eleições europeias e comentar a crise de popularidade de Emmanuel Macron que resultou na marcação de eleições antecipadas e que, com grande probabilidade, provocará a derradeira ascensão da extrema-direita em França?
Ou será mais oportuno tentar compreender o fenómeno que leva o PSD a apoiar a candidatura europeia de António Costa?
A ideia de refletir sobre a Europa, aprofundando a perspetiva de um português à frente dos destinos do Velho Continente parece promissora. Parece, aliás, não só promissor, como complexo, este exercício de captar o ziguezague argumentativo de Luís Montenegro, um homem que desprezava os talentos do Primeiro-Ministro
António Costa, mas que acredita muito no potencial do Presidente do Conselho Europeu António Costa.
Talvez a escolha do atual primeiro-ministro se prenda com o contexto espaço tempo. Assim como os gelados são destinados à época de verão e o ski é praticado entre a neve e a montanha, as habilidades de António Costa serão melhores quando aplicadas a partir de Bruxelas. Aqui, em Portugal, eram indigestas ou até perigosas, mas por lá, no epicentro da União Europeia, as receitas do nosso ex-primeiro ministro podem ser muito apreciáveis ao palato deste grande projeto comunitário que é a Europa, considerará Luís Montenegro.
“E o Zelensky? Se é para falar da Europa, vamos falar da Ucrânia.” – poderão questionar os leitores mais opinativos. Desculpem, mas não arrisco a pele a falar sobre a Guerra na Ucrânia… quem me garante que entre os mais de 350 mil seguidores do Notícias de Coimbra não está um espião do Kremlin!? Quem me assegura que esta semana estou a insultar o Putin numa inocente crónica, e que, na semana seguinte, não estou nas manchetes do Notícias de Coimbra, CNN ou Expressos desta vida, como protagonista de uma morte trágica, contranatura e, claro, “acidental”?
Desfocar da Europa e refletir, por exemplo, sobre a evolução do conflito israelo árabe também não seria a melhor alternativa. O risco de divagar na complexidade do sionismo ou do Islão, e acabar numa atrapalhação capaz de ofender judeus e muçulmanos de uma assentada, é suficientemente dissuasor.
Desisto, por fim, de olhar para a minha Europa no meio de tanta euforia e turbulência. A Europa que se concentre num tema de cada vez… que pare de me lixar o cérebro e que me aponte um caminho só: ou os votos, ou a bola, ou os mísseis, qualquer coisa, mas um só tema de cada vez.
Aí, porventura, com um único foco, talvez eu consiga partilhar uma opinião interessante e bem fundamentada. Até lá, é pouco provável.
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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