Opinião

A dra. Ângela

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 2 dias atrás em 29-03-2025

Ângela Almeida era, até há poucos dias, apenas mais um nome na extensa lista de deputadas e deputados que, a cada legislatura, vão ocupando uma boa porção dos lugares da Assembleia da República sem que tomemos conhecimento da sua existência. Mas uma investigação da Rádio Universitária de Aveiro veio mudar tudo: a licenciatura que a parlamentar do PSD invocava no currículo não passa, afinal, de uma mentira e o que poderia ser um percurso político de enorme sucesso (mesmo que vivido no semianonimato, o que, em Portugal, não é defeito mas feitio) terminou abruptamente, com a exclusão das listas do seu partido para as próximas legislativas.

E isto aconteceu num momento em que não faltam protagonistas que, em aparente risco de serem afastados das lides políticas por escândalos com contornos de diferentes dimensões relacionados com a legalidade, com a ética ou com ambos, recusam abdicar de qualquer resquício de privilégio conquistado e se agarram aos seus lugares recorrendo às mais diversas estratégias. Tudo perante a aparente indiferença dos eleitores, pelo menos a avaliar por eleições recentes e a acreditar em sondagens.

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Por isso, a minha pergunta é só uma: mas o que é que a Ângela tem a menos que os outros?

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Porque as ações de Ângela Almeida podem até ser encaradas como uma homenagem a duas das idiossincrasias portuguesas mais arreigadas: a mania das grandezas e a subserviência aos doutores. Mas já se sabe, entre a inveja de não terem conseguido ter a mesma coragem (leia-se lata e falta de valores) e a vergonha motivada pelo embuste (ainda se fosse uma dra. a sério!), os melindrados cidadãos nacionais nunca estariam dispostos a dar uma segunda oportunidade.

Eça de Queiroz descreveu-o muito bem: a subserviência perante os detentores de um curso superior, aceitando alegremente um prestígio e uma autoridade que podem não passar do papel, numa idealização que leva a abdicar do juízo crítico; a valorização de figuras menores, seja na política ou em qualquer outra dimensão da vida social, apenas por ostentarem um diploma; a ligação umbilical entre provincianismo e pedantismo, gerando pomposas figuras de proa cheia de nada.

Em larga medida, continuamos a ser a mesma sociedade do século XIX, em que os títulos e as aparências determinam muito mais do que as capacidades, ao ponto de Ângela Almeida ter provavelmente achado que ser deputada sem ser licenciada seria uma afronta à democracia.

Mas querem saber uma coisa? Preparem-se, porque tão cedo não vamos viajar no tempo.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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