Têm sido dias em cheio para a comunidade das pessoas com deficiência. Normalmente afastadas da esfera mediática – com exceções abertas quase sempre apenas para a procissão do coitadismo – foram suas muitas das manchetes que se fizeram nos últimos tempos. É certo que foi por conta de ofensas proferidas na ‘casa da Democracia’ por parte daqueles que foram eleitos para representar todos os portugueses (sendo ‘todos’ a palavra-chave), mas talvez se possa defender que isso é melhor do que nada…
Primeiro, foi a desconhecida… perdão, a deputada Diva Ribeiro, que achou que seria um grande sinal de perspicácia e sagacidade política dirigir-se à sua congénere Ana Sofia Antunes, que é cega, afirmando que esta «só consegue intervir em assuntos relativos a deficiência», faltando-lhe apenas acrescentar «Lá está, porque é cega»: ela não o disse, mas foi impossível não o escutarmos.
Na sequência deste episódio, puderam as pessoas com deficiência ser dignificadas também com o aproveitamento político que foi feito a partir dele, com a ideia propagada de que todas elas foram ofendidas com palavras proferidas. Embora, em boa verdade, a perversa frase da parlamentar do Chega seja ofensiva para qualquer ser humano, é insensato pensar que alguém que, enquanto secretária de Estado da Inclusão, não quis ou não conseguiu quebrar radicalmente com políticas baseadas no assistencialismo e no miserabilismo, possa agora assumir-se como símbolo do que quer que seja.
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Mas como do lixo é difícil que brotem rosas, alguns dias depois daquele episódio, o conspiracionista… perdão, o também deputado João Tilly conseguiu, num debate sobre educação inclusiva, soltar um conjunto de disparates ainda maiores, como «Somos um país de alunos com deficiência ou de alunos normais?», «Os melhores alunos ninguém quer saber deles, só dos alunos com necessidades especiais» ou «O ensino geral é muito mais importante que o ensino especial». O que o parlamentar Tilly prefere ignorar é que o país e a escola que ele descreve descriminam há décadas os alunos com deficiência, fazendo frequentemente deles cobaias de programas que, mesmo quando motivados por boas intenções, nunca são acompanhados de condições concretas para a sua aplicação. É por isso que milhares de crianças e jovens continuam, apesar das narrativas da igualdade e da inclusão, a serem confrontados com obstáculos muitas vezes inultrapassáveis para verem cumprido um direito básico. O professor (?!?!?!) Tilly teria boa solução para isso, provavelmente não muito diferente das defendidas pelos nazis.
E, de todo este barulho mediático, o que resultou de positivo para as próprias pessoas com deficiência? Absolutamente nada. Aliás, a discussão sobre os seus direitos (porque é de direitos que se trata, quer na escola, quer no emprego, quer em qualquer outra circunstância da vida), que já dificilmente encontraria tração para suscitar debates sérios e consequentes na sociedade, ficou ainda mais irremediavelmente remetida à converseta de táxi promovida por Diva e Tilly. Na prática, foi só mais um episódio na longa tradição de usá-las como instrumento político para ser mais tarde descartado. Bem vistas as coisas, e tendo em conta o número de vezes que isso acontece com outras comunidades, esta até talvez seja a única prática verdadeiramente inclusiva que é comum aos políticos em Portugal.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM MARKETING
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