Coimbra
Liberdade para as novas gerações
Os jovens portugueses emancipam-se cada vez mais tarde. Segundo dados da Eurostat, publicados em maio de 2018, apenas saímos de casa, em média, aos 29,2 anos de idade, o que representa o sétimo valor mais elevado entre os países da União Europeia.
Em média, os europeus conseguem a emancipação aos 27 anos, sendo que se olharmos para os países do norte da Europa, as suas novas gerações autonomizam-se entre os 20 e os 22 anos.
O bom resultado dos países nórdicos, como refere um recente estudo do ISCSP, não se deve a uma maior vontade por parte dos jovens nórdicos, mas sim, pelo menos em parte, ao Estado social mais forte e com políticas que promovem uma maior articulação entre os estudos e a autonomização do jovem desde cedo, como bolsas e empréstimos a longo prazo.
A tardia emancipação que aqui destaco, tem como consequência evidente o atraso na opção de constituição de família e as baixíssimas taxas de natalidade que transformam Portugal num dos países mais envelhecidos do mundo, com estudos recentes a apontarem para que a população portuguesa seja inferior a 8 Milhões de pessoas até ao final deste século.
Esta realidade tem consequências nefastas para a sociedade portuguesa e, a curto prazo, provocará transformações cujos exatos resultados não conseguimos, sequer, apurar. Menos pessoas irão resultar em menos emprego, mais abandono e, obviamente, piores catástrofes naturais.
Neste contexto, o mercado de arrendamento assume preponderância na forma como (im)possibilita a emancipação dos jovens em Portugal. A desregulação existente e a falta de incentivos sérios, provocadas pela ausência de força do Estado numa área onde este se queria forte, tem conduzido, em particular nos anos mais recentes, a uma pressão excessiva e inaceitável sobre o mercado imobiliário.
O governo, para além de ignorar por completo as necessidades especificas das gerações mais jovens, continua a agravar o problema ao nada fazer para diminuir o centralismo que sufoca o país, obrigando a uma migração constante de pessoas, em especial das que iniciam carreira, para os grandes centros urbanos.
O Programa Porta 65, apesar das diversas alterações que sofreu desde a sua entrada em vigor e que lhe causaram algumas melhorias face à formatação inicial, já não responde às dificuldades que os jovens enfrentam diariamente no acesso à habitação. Atualmente, é uma ferramenta caduca e hipócrita, que exige uma revisão profunda e corajosa.
Vejamos, o Jornal I fazia capa a 29 de junho de 2018 afirmando que um T0 em Lisboa custa de renda 1.000€ mensais. A Segurança Social, organismo público, colocou recentemente um anúncio para arrendar um T2 em Lisboa por 1.150€. O preço médio de renda mensal de um apartamento T2 com 80m2 na capital ronda, segundo a Agência Idealista, os 1.306€.
Ao mesmo tempo que esta é a realidade enfrentada pelas novas gerações, e apesar das noticias consecutivas sobre os maiores aumentos de sempre nas rendas em Portugal na comunicação social, o governo entende que não pode apoiar qualquer jovem (ou jovem casal) no arrendamento de um T2 que custe mais do que 739€ em Lisboa ou 568€ em Coimbra.
Isto é, o mesmo governo que considera que um T2 em Lisboa vale, no mínimo, 1.150€, entende que a renda máxima que pode ser suportada na mesma cidade é de 739€. Mas, se pensarmos em Coimbra, e mediante o teto financeiro imposto pelo governo, existem menos de 20 imóveis disponíveis para arrendamento na principal imobiliária deste mercado.
O Primeiro-ministro especializou-se em fazer discursos para as novas gerações, mas ignora as suas dificuldades quando cria uma reforma para o arrendamento que ignora por completo os jovens portugueses.
Recentemente, foi público que desde o inicio do programa em dezembro de 2007 até aos dias de hoje mais de 40% das candidaturas são rejeitadas pela desadequação do programa e que, mesmo entre as candidaturas aprovadas, não existe atualmente dotação orçamental para cobrir tais aprovações segundo o Presidente do Instituto Público que gere o Programa.
As atuais circunstancias do Porta 65 não são apenas insuficientes para responder aos anseios das novas gerações como, fruto da ausência de dotação orçamental, são ainda criadoras de uma discricionariedade inaceitável num país onde se quer que a igualdade de oportunidades seja pedra basilar na construção da sua sociedade.
Hoje, ao contrário do que acontece por exemplo nos países nórdicos e apesar da clara crise que a renovação de gerações enfrenta no nosso território, o Estado português funciona como verdadeiro promotor de obstáculos, responsável pelo pesadelo que as novas gerações enfrentam para se tentarem emancipar.
Infelizmente, em Portugal trabalhar não dá para arrendar. Dizem que somos livres, mas a verdadeira liberdade só virá com a real possibilidade de emancipação.
Opinião de José Miguel Ramos Ferreira
Advogado | Presidente da JSD Distrital de Coimbra
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